quinta-feira, 23 de setembro de 2010

As cartas do meu avô

A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente...
A chuva, em gotas glaciais,
chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado...
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala...

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

A paixão, medrosa dantes,
Cresceu, dominou-o todo.
E as confissões hesitantes
Mudaram logo de modo.

Depois o espinho do ciúme...
A dor... a visão da morte...
Mas, calmado o vento, o lume
Brilhou, mais puro e mais forte.

E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu...
Do meu - fruto sem cuidado
Que ainda verde apodreceu.

O meu semblante está enxuto.
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora abismada no luto
Das minhas desesperanças...

E a noite vem, por demais
Erma, úmida e silente...
A chuva em pingos glaciais,
Cai melancolicamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Manuel Bandeira

Agradeço por ter nascido gostando de letra e música. As duas têm sido meu pão de cada dia desde sempre. E o que mais posso querer?
Vinha vindo só pela estrada e tirei da poeira, esse disco encantado que começa com Manuel e se completa com choros cantados de chorar mesmo. Principalmente quando Beth Carvalho passa para Dino os versos finais de Aperto de mão, aí o pranto rolou copioso. Quantas vidas há naquela voz final de Dino Sete Cordas?
Oportunamente me ocorreu um encantamento nessa noite. Um encontro marcado há 20 anos finalmente se concretizou. Foi uma noite mágica. Enquanto o Fluminense ia construindo sua goleada sobre o Atlético, dois corpos silentes se estudavam. Corpos que pouco se conheciam, mas que já tinham criado alguns vínculos importantes no passado. O cheiro embriagador, a procura lenta das coisas comuns. Das coisas mais antigas e comuns. Corpos necessitados de aconchego, que, jogados fora, se completaram. A Lua cheíssima abençoava e ardia. O silêncio miracemense de muitas noites intensamente vividas.
Agradeço por ser um homem de poucos amigos. É muito arriscado ter muitos amigos. Mas quando penso em Letícia, Alex, Renatinha, Jadim, acho que já sou por demais, afortunado. São pessoas que estão sempre se preocupando em ajeitar a gola da minha camisa. Estão vivos e presentes a qualquer tempo.
Agradeço por ter filhos como esses três que eu tenho. Não poderia querer mais nada. São almas que ratificam a toda hora o meu existir. E tudo seria incompleto se não fosse por eles.
Agradeço a força das minhas mãos para trabalhar, e o fato de casar trabalho e gosto, de ter achado meu canto, de ter chegado onde cheguei.
Agradeço, por fim, o fato de estar feliz hoje. Feliz só pra mim. Feliz sem que tenham acontecido grandes fenômenos interiores. Feliz como há muito tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

parabéns!
Ti

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