segunda-feira, 29 de julho de 2019

Nossa canção guarda canções diversas


"E pra não dizer depois 
Quando a febre for mais alta
Que esse amor não deu pra dois
Mas vontade é o que não falta
O destino é que compôs 
Esse drama de ribalta
No seu rosto pó de arroz
No meu peito, a  cruz de malta."

Romildo/Sérgio Fonseca


Imagine uma seleção que começa com Lisa Ekdahl (Nature boy), segue com Bebo e Chucho (La comparsa), passa por Ildo Lobo (Cusas do Coraçon), viaja pelo boulevard dos sonhos rotos (Maria Jimenes) e chega em três canções do clássico Indivisível de Wisnik, incluindo aí a Canção Necessária. Estamos ouvindo a vigésima terceira canção de afeto. Mais uma vez dá vontade de contar a história de como cada uma entrou na minha vida e fez morada
Que a canção necessária (com Guinga) faz par com a canção desnecessária (com Mauro Aguiar) e que Mônica Salmaso já havia prometido gravar as duas em sequência e aguardo atento pela gravação.
Que Zizi Possi gravou um EP com 4 mornas, incluindo Cusas di Corazon, trazendo Ildo Lobo para um português mais nosso, e me questiono todo dia por que Zizi não continua a cantar em projetos como esse.
Que o boulevard conta a história de Chavela, Diego e Frida e contém os versos: "quiem supiera reir, como llora Chavela".
................................................................

Nessa semana paulista fui privado das canções de afeto e estou sindrômico e abstinente delas.



Entre ser sponsor de um congresso tenso e atravessar os últimos dias da semana com a família entre museus, restaurantes e shoppings, deixei de ouvir meus fados, e só agora, a bordo desse boeing de volta para o Rio, experimento a 23ª..
Enquanto os pianos de La Comparsa emolduram a viagem, meu corpo, meu gesto, meu semblante vão se entregando às canções. Quem viu a antológica cena para dois pianos em Calle 54, há de entender essa submissão.

E já me coçam os ouvidos por descobrir que há dois discos do Bonga inauditos (Recados de fora e Bairro), Deixei passar uma versão definitiva de Sodade, meu bem, sodade. O canto malemolente do angolano agora domina as paradas da Desconversa FM, a rádio de um ouvinte só..

Congresso é trabalho duro e estar com meus filhos é alguma coisa de mágico. Mas o tempo distante das canções me deixa envelhecido e confuso.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Um rico lavrador da Rua Nilo Peçanha


“A minha namorada ficou grávida
Não se conforma nem eu sei lidar isso
Gravidez é coisa complicada
Senão bastasse ficou grávida do Wilson

Não tomou pílula nem ele pôs camisa
Com tanta aids e milhões de zoid zoid
O irresponsável é o amante da vizinha
Desocupado que só houve pink floyd”



Careqa e Assumpção, Pai postiço




A décima canção de afeto é de 2006. Nessa época eu era sozinho, casado com a estrada e a S10, a música era alta e bem ouvida, e não existia pendrive nem streaming. Selecionava minhas canções prediletas de cada disco para montar um cd e ouvir estrada afora. Foi assim que nasceram as canções de afeto.

A décima canção de afeto começa com “o pé de milho”, de Rubem Braga, recitado por Edson Celulari. 

Meu pés de milho são minhas canções de afeto. Cultivo esse hábito desde as fitas cassetes, acredito que já devam estar na quinta ou sexta geração. Agora retomei a organização delas (são 39, algumas inacabadas), e ouvi-las tem me dado um grande prazer.

Posso contar a história de cada canção, de como me apaixonei e ouvi infinitas vezes, mas vou me ater às principais.

Una cancion para Magdalena - é uma das mais bonitas do repertório de Joaquin Sabina. Já conhecia em versões tristes como é a canção, com ele e com Adriana Varela e talvez outros que já não lembro. Aqui ela toma forma de um bolero triste e é gravada em dupla com Pablo Milanes. 

Senhorinha com Nana Caymmi - a canção de Guinga e Paulo César Pinheiro, já decantada com rara delicadeza com Mônica Salmaso. Aí veio Nana e reinventou a canção, como faz sempre. Gostei tanto que figura duas vezes na décima, acredito que por distração minha. 

Sereia de água doce e Dama, valete e rei, com Maria Bethânia - nessa época, Bethânia lançava discos belíssimos em sequência. Essa duas marcaram muito. São de Pirata e Tua. A segunda deve ter entrado em alguma revisão, pois é de 2009.

A cumeeira de aroeira dessa casa grande, com Maciel Melo e Jessier Quirino - essa canção voltava tanto que acabei decorando a longa letra. Lembrava da casa do Barreirinho, fazenda do meu avô. Toda vez que tocava, era transportado para lá e para os pés de manga carlotinha e abil e para o frango com quiabo da Sá Esmera.

Joan Manoel Serrat cantando em catalão, Chavela no Carneggie Hall encantando Macorina, Maria Martha do acerto de contas de Vanzolini, um fado de Jorge Fernando, as praticamente estreantes Céu e Mariana Aydar, está tudo na décima.
E, claro, o samba de breque Pai postiço, Carlos Careqa e Itamar Assumpção, digno do melhor Morengueira.
Deixei um pouco os discos novos de lado para ouvir as velhas canções de afeto.
Faz me bem.
.....................................................
Sábado jantei com a família num restaurante da Rua dos Artistas. Ótimo camarão e, claro, a lembrança inevitável do clássico de Aldir Blanc, considerado por Arthur Dapieve o grande letrista da música brasileira. Concordo.

terça-feira, 16 de julho de 2019

As três posiçoes mágicas de Carlinhos Bessa

Era uma vez  um lá maior, um ré menor e uma mi maior. Carlinhos Bessa conseguia tocar qualquer musica nessas posiçoes. - Manda aí Olha, do Roberto, Carlinhos. Ele armava o lá maior e começava Olha, voce tem todas as coisas....e ficava bonito.
É verdade que os puristas torcerão seus ouvidos, mas quem se importa! De noite, com um litro de pinga na cabeça, aquilo fluia sinfonicamente nos nossos. E cantavamos em unissono desafinado Que um dia eu sonhei pra miiiim....
Ninguem pensava em contas a pagar, baixa qualidade de vida, sobrevida livre de progressão. Os aeroportos eram entes desconhecidos, Eramos felizes com pouquissimo dinheiro e nenhum compromisso com o dia de amanhã.
.........................................................................
Em familia, viajávamos para Niteroi ou Guarapari, era sempre um ou outro. Eu chorava copiosamente quando tinha que deixar a turma em Miracema. Minha mãe me dava dinheiro, que em geral não servia pra nada. Exceto quando descobri os discos.
Quando a Rua Sete de Setembro, a antiga rua do disco, apareceu na minha vida, eu comecei a ficar dividido. Eram muitas, e dava gosto parar em cada uma para olhar.
..........................................................................
Não refiz meu ciclo de amizades quando vim para Niteroi, os amigos ainda estao lá. Os poucos que me sobraram.
Ouço dizer que o Bessa isolou se em Padua, doente. E que, Ricardo Seixas tambem está por la, vitimado por uma acidente vascular.
Queria estar com vocês, meus amigos, mas em Pádua? 
..........................................................................
Hoje ganhei uma maçã. Meus poucos dentes não permitem mais mastigá-la, mas o cheiro é único: é o cheiro das barrraquinhas de exposição de Miracema.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Cá vou à vida


"O ardinita, o João 
Levantou-se muito ledo
Porque tinha de estar cedo 

À porta da redação.

Trincou um naco de pão 
Que lhe coube muito bem
Antes de partir, porém 
Beija a mãe adormecida
Dizendo, cá vou à vida
Oh minha mãe, minha mãe""



Hoje acordei ouvindo Raquel Tavares, o Ardinita. Planejei isso ontem na hora de preparar o despertador. Está frio em São Paulo e essa canção é uma armadilha para meus olhos secos. Não pude deixar de voltar pelo menos quatro vezes e em cada uma, lacrimejava mais um pouco.
São tempos difíceis esses.
Uma enorme perda de tempo nos aeroportos toda semana. Quando tudo dá muito certo, são 3 horas pelo menos que me separam de São Paulo. Isso há oito anos. Seis horas por semana há oito anos, vai fazendo as contas! E isso quando tudo dá certo.
Esse ano estreei a falta de ar, a falta de dentes, mas melhorei muito a paciência. Só os aeroportos me destroem.
.................................................
E agora essa preciosidade do Dapieve: cem crônicas afetivas de música. As 20 primeiras, de rock, mandei de um só trago. Estou com dificuldades com as 20 adiante, de rock brasileiro. Nunca ouvi a Plebe Rude, o Rappa, agora acho que vai ficar meio tarde.
Tenho ouvido Kátia Guerreiro (tristeza velha), Época de Ouro (que bom saber que está de volta), Boca livre (é bonito o disco novo),  Sérgio Santos, Zélia, e especialmente, Adriana Calcanhotto (Margem, tristíssimo).
E mais a mais, o fado me levou há muito tempo. Quando sobra tempo, é Camané e Marceneiro que ouço. Já não há mais tempo para a Plebe.
Mas, sim, o livro é uma delícia de aprendizado, uma pintura.
Tenho dificuldade para ler o segundo caderno às sextas. Que falta faz o Dapieve!
O livro preenche em parte essa falta. Provavelmente já terei lido aquelas crônicas todas. Mas tudo parece novinho.

Últimas crônicas 1



"Porque o tempo lhe fugia, entre os últimos dedos lhe fugia,

a mão, o tempo, a mão."

Gonçalo M Tavares

Não dá pra contar o tempo infinito que perdi com a Gol linhas aéreas nos últimos 8 anos.*
..................................................
Devagar escuto, com grande prazer, às velhas canções de afeto. De repente me vem a interpretação blueseira que Dr John deu para o Delicado de Waldir Azevedo, e essa pérola Louco por você, de Ivan Zigg, cantado por Clara Sandroni. Castainha do Pará, de um show de Nilson Chaves que vi no Centro Cultural da Justiça Federal. E Moi, je nevis en banlieue (Aznavour) e La valse des regrets (Françoise Hardy)
Sinto saudade de quando ia aos shows. Aprendi a gostar de muita coisa ouvindo ao vivo. Era um rato da velha Sala Sidney Miller na Rua Araújo Pena, do Projeto Pixinguinha, do CCBB. 
Com o tempo, fui ficando casmurro e cada vez mais preferindo ouvir em casa, no carro, no avião.
Só esse ano deixei de ver, apesar de ter comprado ingresso, Jorge Drexler no Teatro Riachuelo, Beth Bruno no Municipal, Carlos do Carmo em São Paulo.
Quem ainda levanta esse defunto noturno é Marila, que, vez ou outra, me leva à Casa do Choro para ver alguma coisa. Mas é raro.
Adquiri uma mania doentia de sair antes do bis nos últimos anos, por medo de enfrentar longas filas de táxi, o amor se irrita comigo.
.......................................................
Nos últimos tempos, virei um sujeito desinteressante. Toco pra mim, ouço pra mim, não bebo mais, tenho uma particular implicância por grupos no facebook. Ainda mantenho esse blog, apesar de não escrever há mais de ano nele.Não importa, quem lê blog hoje em dia?
..........................................................
O início dessa conversa era essa frase já escrita há algum tempo como abrideira. Vai ficar pra outra.

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...