quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Eu e meu filho



Venho de uma família de vascaínos, mas acredito que já tenha nascido torcedor do Fluminense. Meu pai não ligava, achava até interessante um filho tricolor, e me contava histórias do goleiro Castilho e dos zagueiros Píndaro e Pinheiro. 

Comecei minha carreira de torcedor no radinho de pilha, ouvindo Jorge Curi, Waldir Amaral, João Saldanha e Mário Vianna, só para citar algumas referências. Em 1970, o Fluminense tinha Félix e Marco Antônio na seleção brasileira e acho que foi ali que eu peguei gosto pelos jogos. 

Acompanhei grandes times do Fluminense no radinho, mas nunca vou esquecer daquele montado pelo revolucionário Francisco Horta, que trouxe Rivelino, Edinho, Gil, Doval, Dirceu, Paulo César Caju e os Carlos Albertos Pintinho e Torres. Era magia pura ouvír a máquina jogar.

Em 1995, quando o Fluminense foi campeão carioca com gol de barriga do Renato Gaúcho, eu tinha uma antena Santa Rita na minha casa na Rua do Sapo em Miracema. Só tinham duas Santas Ritas na cidade: a minha e a do Clube XV, de tal modo que o jogo só passou lá em casa e no clube. O resultado foram 20 flamenguistas empilhados no sofá da sala e eu esmirrado num canto torcendo. Quando o Renato fez aquele gol, foi uma emoção absurda, indescritível, de nunca esquecer.

Passei do rádio para a televisão e fiquei por aí. Até que meu filho veio morar comigo.

Até então tinha ido ao Maracanã três vezes. Uma com meu pai e meus irmãos da qual não me lembro o jogo. Quando o Fluminense foi campeão brasileiro em 1984 em cima do Vasco. Fui com meu irmão vascaíno e cada um ficou numa torcida. E por último, quando o Fluminense foi campeâo carioca ganhando do Volta Redonda em 2005.

Pois agora virei sócio arquiba 100% do Fluminense e acompanho meu filho sempre que posso. Entre atropelamentos, quedas, insolações e outros acidentes, compartilhamos da mesma emoção de estar ali na leste inferior torcendo pelo tricolor. 

Meu filho mudou meu modo de torcer. Deixei de ser um mestre do sofá para ir ao estádio. 

Nem posso detalhar as inúmeras vezes que fomos, mas em especial a goleada sobre o Flamengo que deu o Campeonato Carioca ao Fluminense. Na correria, fui atropelado por uma moto e mesmo assim fui ao jogo com a perna direita ferida e com gelo na perna, oferecido por camelôs e vendedores de rua.

Hoje eu tenho todas as camisas do Fluminense, e mais os bonés, os chaveiros, as medalhas, sou um freguês assíduo da loja do Fluminense no Plaza Shopping. 

Quando viajo com ele, vamos primeiro aos Estádios conhecer a história dos times. Somos parceiros nas alegrias e nas derrotas.

Não dá para não comentar sobre como vibramos juntos com a conquista da Libertadores. Começou naquele jogo com o Inter no Beira Rio, que vimos em casa. Dando a derrota como certa, acabei tomando meu coquetel molotov para insônia no intervalo do jogo. Quando o Fluminense fez 2 a 1, eu já estava meio babando Nunca vi uma vibração sonolenta, mas Chicote não deixou que eu dormisse. E depois a decisão, ele no Maracanã eu em casa, e parecia que havia uma transmissão de ondas de vibração nos momentos mais cruciais do jogo, do gol de Cano ao gol de Kennedy, estávamos inpreterivelmente juntos.

A conquista da libertadores coroou um ano de convivência, respeito e afeto de mútua reciprocidade. Conhecendo meu filho, me conheci um pouco melhor e gostei do que conheci. 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Ao que vai chegar

" Quando chegares aqui

Podes entrar sem bater

Ligue a vitrola baixinho

Espera o anoitecer

Logo que ouvires meus passos

Corre pra me receber

Sorri, me beija e me abraça

Não me perguntes por quê"


"Não é por me gavar

Mas eu não tenho esplendor

Sou referente pra ferrugem

Mais do que referente pra fulgor"

Há muito não tenho ninguém. Há muito tempo minha vida tem sido uma estradas de idas e vindas, de caminhos tortos, de esquinas mal resolvidas. 

Se um dia te encontrar, não repare, estarei confuso. Serei aquele instável, que às vezes fala uma coisa e resolve outra. A perspectiva de te encontrar já me confunde. 

Não espero mais nada da vida. O que ela tinha que dar já me deu, e sou grato por tudo. 

Há tempos meus objetivos são os mais humildes e simples: estar com meus filhos o maior tempo possível, dar algum conforto a eles e a mim, e aproveitar da convivência com meus dois ou três amigos. E trabalhar, porque o trabalho me completa.

Não quero conhecer o desconhecido. Minhas viagens se resumirão à minha aldeia, e quando for possível, à lugares que amo, especialmente Lisboa e Buenos Aires, cidades que cheiram música.

É dificílimo um bipolar sustentar uma relação. Porque um bipolar é cheio de altos e baixos, e por mais que os (muitos) medicamentos ajudem, há sempre um certo grau de instabilidade.

Uma noite mal dormida já me transforma em zumbi. É difícil lidar com zumbis. No geral, quando estou zumbi, eu me isolo do Mundo. Ou, quando consigo, me agarro a uma tarefa demorada e só saio dali com ela pronta, quando já está na hora de dormir de novo.

Nesses últimos anos, larguei a bebida pelo sono. Dormir bem é uma dádiva. Por isso durmo cedo e procuro desacelerar quando deito. Meu sono começa a fluir com a TV ligada. Quando chega perto delle, eu desligo.

Leio em demasia, mas leio muito menos do que queria e mesmo assim, meu repertório de conversas é escasso. Quando me aquieto, preciso de respeito pelo silêncio, mas não quer dizer que esteja mal. O silêncio faz parte da minha vida e me completa.

A intimidade também precisará de tempo e silêncio (tiempo y silencio, voz y quebranto). Coisas íntimas são muito pessoais e eu não quero me machucar mais. 

Adoro letra e música. Conservo meus discos como pedras preciosas e sempre que posso, compro novos. E apesar de ser antiquado, para os melhores amigos, dou discos de presente. 

Nunca gostei de bichos. O único cão que aprecio é o Horácio, que pertence à minha filha. Ele e ela cuidaram de mim num tempo sombrio.

Dirijo muito pouco. Os olhos ficaram dispersos e me distraio muito. Ademais, não preciso de carro. Gosto de atravessar a Baía de barca e não me importo de ir de ônibus para minha cidade.

Já perdi pai, perdi mãe, perdi irmão. A saúde é frágil, a história pregressa é cheia de desvios, alguns gatilhos ainda me exaltam. Mas ainda estou por aqui.

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O primeiro poema (Quando chegares) é de Vinicius e Carlos Lyra. O segundo (Poema sobre nada) é de Manoel de Barros.


Rio, 9 de novembro de 2023



Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...