quarta-feira, 17 de abril de 2024

Travado

"Diferente o samba fica

Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi

A Zizica está sorrindo

Esconderam o Laurindo

Mas não se sabe onde foi"

Noel Rosa, Triste cuíca


"Peço desculpas de ser

O sobrevivente.

Não por longo tempo, é claro

Tranquilizem-se

Mas devo confessar/reconhecer

Que sou sobrevivente."

Carlos Drummond de Andrade, Declaração em juízo.




terça-feira, 26 de março de 2024

Onde comer bem no Centro do Rio

O tempo tem mostrado que comer no Centro do Rio é tarefa cada vez mais complicada. Ando limitado aos restaurantes antigos que como há mais de vinte anos. Enjoei dos quilos, prefiro pagar um pouco mais por uma comida mais saudável e que permita ser apreciada com mais tempo. O tempo é um aliado do paladar (Leon Eliachar: "a pressa é inimiga da refeição"). Além disso, aproveito para responder e-mails de trabalho, que cada dia mais se avolumam. 

Aqui onde eu habito na Rio Branco com Vargas, não chega nem perto das opções que tenho em São Paulo. São Paulo tem mil variações possíveis, dos mais avriados sabores e preços, a começar pela Quinta do Marquês, onde se come um pastel de nata muito parecido com o que se come em Lisboa. Há restaurantes em todo canto para todo gosto em SP.

Para os meus amados dois ou tres leitores, faço uma seleção dos restaurantes que sobraram, por ordem de grandeza. Evidente, é uma avaliação muito pessoal sem qualquer pretensão culinária.

1) O Árabe (antigo Damasco) -  entre 50 e 60 reais - na Rua do Rosário, é onde almoço quase todo dia. A cozinha é a mesma de muitos anos, e agora tem um prato executivo que serve muito bem. Em geral, eu peço o Galeto com salada da casa e arroz de lentilha ou o quibe assado com salada fatuche e arroz de lentilha. 

2) Caçarolinha - entre 80 e 100 reais - escondido na  Rua do Rosário, 157, sobreloja, fica dentro de um chin ling e é tão bem escondido que poucos conseguem chegar, mas nunca se arrependem. Serve o melhor bacalhau do centro do Rio. Recomendo o Bacalhau Caçarolinha. O restaurante é uma miniatura do que foi o grande Caçarola, fechado com a pandemia. Os garçons adquiriram o espaço, o chef é o mesmo. Vale muito a experiência.

3) Escondidinho - entre 80 e 100 reais - No Beco dos Baleiros, reina o Escondidinho, que também mudou de nome e de dono e agora se chama Costela do beco. Existe desde 1.941. A costela é para os melhores paladares, talvez um pouco decadente sem o velho Seu Abílio. Reserve espaço para a sobremesa. O Mineiro de Botas é imperdível.

4) Marian - entre 40 e 50 reais - Rua do Rosário, 145. É o único quilo da minha lista. Em alguns dias vale a pena, principalmente nos dias que tem comida árabe (acho que às quintas) . Fuja do churrasco (em geral, esturricado), evite horário pesado (12:30 a 13h), não vá mais do que uma vez por semana. Ao contrário dos outros, enjoa rápido.

5) Giuseppe - entre 120 e 150 reais - Rua Sete de setembro, 65 - A imbatível maminha no sal grosso continua fazendo a diferença. Também tem massas, peixes (recomendo o pargo fresco assado no sal grosso) e outras carnes, Vale para os dias de fartura.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Íris

 


"Meu pai chorou

Escondido no fundo do quartinho

Um cavaleiro embaixo do moinho

Me deu um puta dum pavor.

Chão afundou

O mundo imenso e eu pequenininho

Mais assustado do que um passarinho

Depois que o galho se quebrou

O ninho foi e ele ficou.

Meu pai chorou

E eu rasguei a imagem do santinho

Porque Deus me pareceu mesquinho

Em ter cometido o desalinho

De criar a dor e pôr espinho

Até mesmo no sentir carinho

É cruel sofrer de amor.

Meu pai chorou

E dessa vez não tinha sido o vinho

Ninguém tocava um samba do Paulinho

Não tinha um filme arrasador

Sol apagou

Seu olho azul ficou azul-marinho

Seu corpo imenso algo tiquititinho

Que olhou pra mim e disfarçou

Mas, de pouquinho, se entregou

Meu pai chorou

Tudo em mim fez um redemoinho

Ele, ali, no chão sujando o linho

Foi a vez que fiquei mais sozinho

Sem Pelé deixei de ser Coutinho

Sem seus pés entrei por um caminho

Nunca mais parei de andar

Lembro do meu pai me pegando a mão

Lembro do meu pai dando a decisão

Lembro do meu pai sempre ser meu pai

Sempre ter seu brilho

Eu virei seu filho

Quando vi meu pai chorar"

Celso Viáfora


A bordo do MSC View e todos os seus benefícios, suas cafonices e suas limitações, viajo novamente com meus filhos.

E novamente demoramos para embarcar nas filas imensas, com minha paciência por um fio. Esgoto-me rápido, acho que meus estabilizadores de humor estão datados. Os meninos tentam entender. Lucas me abraça, Chicote contemporiza, eles ajudam a carregar o peso da minha bipolaridade.

Ao entrarmos, percebemos que limaram a parada em Ilha Bela, a troco de uma pequena compensação em dólar, que será consumida em chocolates e um wi-fi por um dia, de presente para eles. Nada de wi fi para mim. Viajei para ficar disperso mesmo.

Minha íris fotografada no navio mostra com clareza, os lagos, as cicatrizes e as esquinas que dão a volta no meu olho esquerdo. Será que eles percebem? Será que imaginam o quanto caminhei para chegar até aqui?

A programação é a mesma do ano passado: jantamos às 18:30, vamos ao show das 19:30 e depois nos recolhemos. De dia quando há Sol, vamos às piscinas confratenizar com as famílias imensas que viajam conosco.

Em Montevideu, lembramos da experiência anterior e não vamos mais à excursão fajuta que o navio oferece. Vamos ao Estádio Centenário e ao Mercado do Porto. Ótimas visitas para uma manhã. O estádio, posso estar blasfemando, mas achei mais bonito que o Maracanã. É mais tradicional e mais antigo. Na sala de troféus, sentimos falta de uma homenagem (não tinha uma foto sequer) a Pelé.

O Mercado do Porto de Montevidéu é ótimo. Tem souvenir de tudo quanto é tipo, come-se muito bem e pode se tomar um medio a medio, bebida típica do lugar, bem recomendada por um amigo.

Já conhecemos intimamente Buenos Aires, de modo que mais uma vez fizemos nosso próprio roteiro. Não sei se por influência da extrema direita que governa o país, os argentinos estão ficando cada vez mais grossos no trato com os brasileiros. Logo nós que deixamos nossos dólares lá e deveríamos ser muito bem tratados.

Escolhemos duas paradas: o Monumental de Nuñes e o La Cabrera. Não vou ficar detalhando meu mau humor na imensa fila do Estádio do River, que privilegia argentinos e cujo leão de chácaras é um sujeito extremamente grosseiro. Dessa vez até Lucas se destemperou. O Estádio é muito bonito e tivemos o direito (pago, obviamente) de ver o gramado. 

O La Cabrera (que também quase desisti por causa da fila) continua o mesmo. Tivemos a sorte de sermos servidos pelo mesmo garçon das últimas vezes. Ótima carne e melhor ainda panqueca de doce de leite.

Desembarcamos no Rio sem grandes atropelos, e dessa vez, não reservei para o ano que vem. Mas é possível. 


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Evidências

Eu assisti o concerto de João Gilberto no Teatro Municipal em 2008 com a admiração e  fascínio do menino que ouviu o Amoroso centenas de vezes seguidas.

Vi Luis Melodia no Teatro da UFF depois de um atraso de 3 horas fazer um concerto intimista de voz e violão de comover .

Tive a chance de assistir Gal Costa entrar pela porta da frente do Canecão com o Olodum e ficar deslumbrado com sua voz e seu carisma.

Eu assisti Nana Caymmi, Djavan e Fátima Guedes no Teatro Leopoldo Fróes em Niterói nos tempos do Projeto Pixinguinha em shows que ficarão comigo para sempre.

Eu vi Ana Moura, Mariza e Gisela João cantarem seus fados no Rio e me emocionei em cada canção.

Eu vi Eduardo Gudin e Celso Viáfora no Rio, dois compositores paulistas que fazem parte do seleto grupo de 3 ou 4 dos melhores compositores de samba vivos.

Eu fui a Rosal e vi os melhores chorões se apresentarem em jams inesquecíveis.

Desculpe, mas eu tenho todo direito de achar "Evidências", uma boa merda.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Playlist nº 2

 




Partidas e chegadas são a história fiel da minha bipolaridade. 

O evento musical do ano foi o show de Chico e Mônica no Vivo Rio, que depois virou streaming e agora virou disco e talvez também ganhasse o troféu Desconversa de disco do ano, não fosse o Selo Sesc ter lançado um álbum de inéditas de João Gilberto, um tributo à Wilson Batista, um álbum com canções de Carlos Lyra, um Hermínio novinho, com poesias maravilhosas recitadas por Fernanda Montenegro. Então parabéns para o SESC por perpetuar essa dádiva de podermos ouvir nossas músicas do jeito que quisermos. Infelizmente as edições saem em pequeno número. A de João Gilberto tive que esperar a segunda leva e mesmo assim quase perco. Disseram que o Japão comprou tudo. Faz sentido.

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Edu Lobo comemorou 80 anos com disco e show na Sala Cecília Meireles. O disco e o show contaram com  Mônica Salmaso, Zé Renato, e dos semi novos (e ótimos) Vanessa Moreno e Ayrton Montarroios. Gosto de Edu pela parceria com Chico Buarque e pelo disco Edu e Tom, Tom e Edu, que reputo como um dos 6 ou 13 melhores discos da MPB. O show foi bom para relembrar o Tango de Nancy, interpretado por Vanessa Moreno de forma correta, mas longe da original de Lucinha Lins e o Canto Triste, interpretado magistralmente por Mônica Salmaso, mas desgraçadamente fora do disco. Jacob, que não gostava de Edu, ficou emocionado quando ouviu o Canto Triste. 
Mas há um lado complicado em Edu Lobo. Em 2023, acabou patrocinando mais uma polêmica ao afirmar que o Clube de Esquina era mais sofisticado do que a Tropicália. Independente dos méritos, não faço idéia de onde Edu tira essas coisas da cartola.
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Vi Lucinha no Teatro Rival cantar lindamente com Zé Luiz Mazziotti em homenagem a Leni. E descobri que a Universal incluiu o Sempre sempre mais no catálogo do spotify com ótima sonoridade. Uma pena não terem lançado em cd..
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Na sala, vi também Wisnik lançar Vão. Toda vez que ele vem ao Rio, eu corro atrás .Bom demais!
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Na questão tecnológica, a grata surpresa foi o Samsung Galaxy S23 ultra. É melhor do que o Iphone em vários aspectos. A tela tem um visual mais claro (só leio os jornais e livros nele), a máquina fotográfica é melhor, a canetinha faz a diferença. Para o Iphone só resta mesmo a organização e a discoteca, que ainda pode ser digitalizada, mas infelizmente a apple a cada faz uma besteira com nossa discoteca pessoal a cada atualização.


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Playlist nº1

O importante não é o chocolate, mas com que você compartilha.

Wonka


Gostei muito de Assassinos da Lua das Flores e de Openheiner, mas o filme que fez diferença esse ano foi Wonka. 

Domingo, fui procurar um filme qualquer para ver com meu filho e dei de cara com Wonka. Até ali, não sabia nada da refilmagem. Nem é bem uma refilmagem, é um novo filme com o mesmo Willie, muito bem interpretado por Thimotee Chalamet. O elenco se dá ao luxo de ter Olivia Colman e Hugh Grant como coadjuvantes em ótimos papéis. Wonka é uma lição sobre amizade, companheirismo, resignação e chocolate de dar água na boca. 

No cinema com meu filho, lembrei dos filmes que via com meu pai. Eu era o preferido do meu pai para ir ao cinema nas segundas, quando repetiam o filme de domingo. Naquela época, em que eu tinha a idade do Lucas, meu pai já sabia que eu era anormal. Que música, letra e palco me contaminavam de forma diferente dos outros. Mais tarde eu detectei essa anormalidade nas minhas filhas. E a história foi a mesma. 

Hoje eu tento contaminar meu filho com crônicas do Juca e do Tostão. Essa geração resiste à boa leitura, mas ainda há esperança.

Minha paixão pelos livros também faz parte desse quadro clínico. Meus livros se dividem em três categorias: os que li, os que não li e os que provavelmente nunca lerei. Não importa, é importante tê-los. Um dia quem sabe? Tento contaminar meu filho com os melhores cronistas da Folha e do Globo, que leio todo dia na Barca. Essas novas gerações não têm o hábito de ler do jeito que líamos. Seleciono as melhores crônicas esportivas, principalmente Juca e Tostão, e mando. Acho que ele gosta.

O segundo filme do ano para mim foi Elis e Tom, que detalha a contrução de um dos álbuns mais emblemáticos da história da música brasileira.

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Entre os tênis do ano, dois superaram qualquer expectativa no quesito conforto: um brooks cascadia amarelo e um adidas NMD R1 preto. São leves e facilitam muito minhas poucas caminhadas. O amarelo é mais bonito.


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Um bom domingo





Minha filha me comove pela sua humildade e pela sua resiliência. Esteve aqui hoje de manhã no meu trabalho e conversamos um pouco. Aconselhei-a a voltar de metrô, mas ela retrucou: pode deixar, pai. Eu vou a pé mesmo. Insisti, está muito calor e ela finalmente concordou, não sei se somente para agradar. E se foi de mim, ela e seu chinelo franciscano. E eu não consegui ficar sem marejar os olhos pelo carinho e pela ternura que Laura demonstra quando vem, mesmo ficando uns poucos minutos. E que qualquer pai se sente o mais gratificado dos pais por ter filhos assim. Queria fazer mais por ela. Acredito que seja feliz com suas escolhas, espero que seja. Queria que soubesse também que estarei aqui por ela, sempre.

A compostura da humildade se transforma quando ela canta. Está se tornando uma bela cantora lírica e é bonito quando ela solta o Carlos Gomes da voz. Fico maravilhado olhando e ouvindo.

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Passei um ótimo fim de semana em Miracema, acompanhado dos melhores amigos e de Luisa. Muita conversa boa, comida da melhor qualidade, e esse duplo arco íris em Além Paraíba.

No domingo, vim cedo para almoçarmos em família. Quis chegar a tempo de termos uma tarde toda pela frente. A viagem deu tudo certo, com uma pequena retenção em Pirapetinga, o que é de praxe. Valeu a pena. O Rio não estava com esse calor infernal de hoje e o cair da tarde foi sereno e intenso ao mesmo tempo. Um bom domingo de paz.

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...