segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O inferno das novas tecnologias

Whatsapp acabou se tornando um mal necessário. Ninguém vive mais sem ele. Até para pagar contas já serve. Eu não uso para esse fim. Nem pix, nem nada. Muito medo de ser roubado pela tecnologia.

Tenho um notório pavor por conversas que evoluem em capítulos! Primeiro oi, depois bom dia, depois vêm as frases soltas, você tem que ficar aguardando para compor uma texto inteiro. Geralmente sou muito direto no que escrevo. E coloco tudo de uma vez só para a pessoa não ficar perdendo tempo. E às vezes esqueço de dar bom dia.

Também não gosto de mensagens de áudio, embora reconheça que sejam úteis e que eu mesmo faça uso delas. O problema é quando você está em reunião ou resolvendo um problema grave e precisa responder. Alguns colocam em velocidade maior do que a normal. Fica muito esquisito. Parece que não é a pessoa.

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Aprendi com Larry David que os lugares mais quentes do inferno são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise. A citação é de Dante. 

Apesar de ser tricolor desde que me conheço por gente, torci para o Flamengo no final da Libertadores. Enumero algumas razões para isso: é o futebol do Rio que sai lucrando, não pertenço a essa horda que secam o Flamengo contra qualquer outro time, e por fim, dois dos três amigos que me sobraram são torcedores do Flamengo.

Lucas assistiu comigo intrigado com o pai tricolor convicto torcendo para o adversário mais tradicional.

Mas não adiantou de nada minha torcida.

Após o jogo, foi possível ouvir o silêncio ensurdecedor das ruas de Niterói. Milhares de pessoas preparadas para o foguetório acabaram criando um grito surdo, como se estivéssemos sufocando uma dor aguda. Nem os zoadores, que secaram o Flamengo durante o jogo, pareceram se manifestar. 

Não desmoronei, como me desmorono nas derrotas do Fluminense. Fui torcedor de um único jogo. Aquela calota de sofrimento não me atingiu. Liguei para o Don Carlo, pedi uma Margherita, e fiquei ali conversando com Lucas e comendo a pizza. 



domingo, 21 de novembro de 2021

Os esquecidos do Ingá

 



Não desprezeis minhas humildes saudades, mas buscai, em vossa meninice, lembranças parecidas com estas e elas vos restituirão um certo apego, um pouco de bem querer aos dias de hoje, tão sem graça em sua maioria."

Antônio Maria


Hoje passei a manhã tentando dar ordem aos discos. Levei muitos para Miracema e os que ficaram aqui no Ingá estavam rejeitados na desordem. Pérolas como essas da foto, amontoadas em pilhas e pilhas de discos aleatórios, agora estão devidamente ordenados e distribuídos nas gavetas. Depois fui almoçar com meus tios já com a lombar em pedaços.

Tenho me sentido como meus discos, mas não é muito diferente do que sempre foi. Meus tios conseguem trazer a família de volta. Estão sempre atentos aos meus abismos, sempre prontos a conversar ou a ir ao super mercado sem necessidade, só para fazer companhia.

Velhos discos trazem velhas lembranças de volta.

Descobri, por exemplo, Nana Caymmi através do Mudança dos Ventos. Devia ter 19 ou 20 anos, e aquele disco bateu com uma força arrebatadora. 

Eu sei que estava na fazenda, com meus amigos e a vitrolinha philips. Foi ali que a Nana apareceu. Numa fita cassete emprestada por uma amigo do Rio que estava em Paraíso.

O Paraíso era um lugarejo pequeno, onde íamos encontrar as meninas e comer pastel. Ficávamos ali, na escadaria da igreja, sentados, conversando, acompanhados das moças, de um litro de Rosa de Prata e um violão intuitivo tocado com sentimento pelo Carlinhos Bessa. 

Todos fumavam na época. Eu fumava Parliament, um cigarro que tinha um buraquinho no filtro  e eu achava aquilo muito chique, mas não sabia tragar. De tal modo que a minha carreira de fumante deve ter durado uns vinte cigarros. 

Nem imagino como tinha assunto para tanta conversa, mas a verdade é que só saíamos dali depois da meia noite. Voltávamos a pé para a roça quando já era madrugadinha. No calor, apareciam enormes aranhas caranguejeiras e a gente tinha que levar a lanterna para não pisar numa delas. 

No início não tinha luz. Usávamos lanterna ou vela e o escuro era um intenso breu. Quase sempre fazia frio e quase sempre faltava coberta. Nada que uma dose de Rosa de Prata não ajeitasse.

Jantávamos o macarrão com coloral feito pelo caseiro, Geraldo Paturi. De vez em quando rolava uma galinha roubada do vizinho pelo cachorro treinado especialmente para esse fim pelo Paturi.

Hoje todos estamos todos muito velhos e quase já não nos vemos mais. As meninas de Paraíso, já não sabemos por onde andam. Geraldo Paturi já se foi de nós. Tudo passou. Rápido, apressado, sem que nos déssemos conta do quanto aquilo era tão puro, simples e fazia bem.

sábado, 20 de novembro de 2021

De volta ao Reserva

 


Depois de quase dois anos, voltei ao Reserva Cultural. Em sessão dupla e, depois de quatro décadas, pagando meia. O caixa nem pediu a carteira. Mal me olhou e já havia diagnosticado: velho! Eu ainda perguntei (queria que ele visse!), mas ele retrucou: não precisa.

O Reserva continua o mesmo cinema agradável, seleto, sem aglomerações, mas já era assim antes da pandemia. Senti falta da Mística Pizza, o arremate ideal para depois do cinema. Parece que onde era, instalaram uma outra pizzaria, mas não quis fazer o teste.

Vi primeiro Noite Passada em Soho e depois Pixinguinha, um homem carinhoso. Saí dali um pouco desapontado com os dois.

Noite passada em Soho é um desses que chamam de trhiller, mistura de policial, suspense e terror. Não sei se estava desacostumado às salas de cinema, mas achei o filme barulhento demais. De incomodar os ouvidos. No mais, o terror acaba predominando sobre o suspense e a inteligência. Pega umas 3 estrelas, se muito.

Pixinguinha, um homem carinhoso é bonito demais, pueril demais. Aparentemente queriam realçar o santo que havia no chorão. E Seu Jorge parece meio deslocado do personagem. E podiam dar um tom novo, com  maior ineditismo às interpretações, mas preferiram gravações bonitas, pero manjadas de Caetano Veloso (Rosa) e Marisa Monte (Carinhoso). Foi bonito, no entanto, ouvir Eliseth (Lamento), Orlando Silva (Carinhoso) e Clementina (Benguelê), versões originais que permaneceram intactas. 

Isso tudo pode ser só resmungo, mas por uma ou duas vezes, em cada filme, tive vontade de deixar o cinema. E nem fiquei quando aplaudiram de pé o final do filme, com a Banda de Ipanema tocando Carinhoso em frente à Igreja de Nossa Senhora da Paz, onde o flautista morreu.

Guardar uma coisa

"Dê-se farto ao dissecar das aulas de anatomia

(Indigente é muito título a quem nem o próprio nome escolheu)

Não tomes do teu tempo, a lembrança

Não espere teus relatos

Serás um volume a mais na estante 

Encadernado de mentiras

(Provavelmente com o título errado)

Abrace a sentença da vida sem perder a rebeldia

Assuma os filhos de tuas palavras

A consequência de teus discursos

(Use menos verbos imperativos que esse poema)

Instale-se na última opção do cardápio

Plante com paternidade alguma virtude

Mas principalmente e de olhos vidrados

Busque a beleza.

Extraia com precisão microscópica a beleza da rotina

Não preocupe-se

As normalidades não passam de velhos hábitos

Repetidos à exaustão. 

Algo precisa romper o tédio 

(Assuma esse voluntário propósito)

Ah e ainda há amor

Este misterioso fluido 

que...

pouco se cabe conjecturar...

Resista ao trágico passar dos dias

20 anos estão condensados em alguns segundos de memória

E começo a suspeitar que num piscar de olhos

Terão passado 80 com a mesma rapidez.

Cabe dizer que não se sabe o fim, o quando, o quanto, o resto

Nada

Mas há muito contento em sua própria loucura

Ah...E é claro!

Sugiro começar perdendo a lucidez."

Bernard Sader Tinoco

Sábado no Ingá

 "Só se está só ou acompanhado dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças, que me fizeram companhia desde segunda-feira. eu já gastei. Não creio que amanhã aconteça alguma coisa de melhor."

Do Diário de Antonio Maria


Para um sujeito abstêmio que praticamente se casou com o trabalho, sábados e domingos são terríveis. Principalmente quando a lombar decide agudizar. Não há posição que sustente. 

Tento rebater com música. Ainda não ouvi  com a devida atenção, o novo do Camané, Horas Vazias. Faz me companhia agora. Os mesmos fados bons de ouvir. Camané trouxe o fado de vez para minha vida. Infinito Presente, Sempre de mim, e o disco em que ele canta Alfredo Marceneiro foram ouvidos milhares de vezes, e continuarão sendo. Estão em todas as canções de afeto.

Sinto falta da minha cidade, da minha casa, do meu quarto. Passei a pandemia trabalhando online, uma experiência intensa e inovadora. Da minha casa, conseguia estar em São Paulo e no Rio ou em qualquer lugar ao mesmo tempo. Era assim mesmo, do meu canto para o Mundo. Agora tudo se foi, estou de volta a minha casa que não é minha, e nem é meu esse lugar, sáo para citar Fernando Brandt.

Não posso ser injusto com a cidade, que me acolheu por tantos anos, mas isso aqui tem um sabor amargo das coisas que já passaram. Quando estou aqui, sinto que passei com elas.

Hoje talvez eu retorne à Reserva para ver um filme qualquer. Talvez vá ver Noite passada em Soho. Depois eu conto.

Preciso sair desse período de incubação em que me encontro. Camané vai me ajudando com seus fados corridos. Escrever nunca é fácil. Às vezes sai na urina. Às vezes é pedra.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Dexter está de volta

 "Há dias que você não existirá. Empate sem gols, público vaiando, céu nublado sem Sol e estrelas, abafado. Dias em que não fará nenhuma diferença acordar. Nada dará certo. Nada vai funcionar. Nenhuma palavra trará descanso. Nenhuma atitude será compreendida. Dias de exorcismo e penitência. Só rezará para que terminem logo. não contará depois em seu calendário, não aparecerá em sua trajetória como tempo de serviço. Serão dias descontados por Deus no final."


Estranha essa manhã fria e chuvosa de novembro. Trabalho em várias frentes sem uma meta predefinida. Diferente dos outros dias, hoje não há reuniões online. Posso escolher a demanda. Disperso e dispersivo, ao mesmo tempo digitalizo meu acervo de discos, dou uma espiada nas ofertas da blackfriday, apago pequenos incêndios (e-mail, whatszapp), tento montar duas apresentações ao mesmo tempo. Meu olho esquerdo está mais seco do que o normal. Parece variar. Sinto falta do Chicote. A vinda do menino para cá fez me bem. Penso que a ele também.

Solidão é uma faca de dois gumes. Muitas vezes é tudo que você quer. Estar sozinho, calmo e sossegado ouvindo suas canções de afeto. Noutras é um abismo muito grande, depressivo, insone, um espaço onde tudo perde o sentido.

Escrevo para tentar voltar ao ponto zero.

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Recomendo para os solitários de plantão, a quarta temporada de Yelowstone. O ruim dessas séries novas é que são episódios semanais. Demora um século para continuar. Mas Yelowstone vale. É tensa, agitada, o que torna mais difícil a espera do próximo capítulo. E Kevin Costner e Luke Grimes brilham.

Também em pílulas, estão transmitindo a segunda de The Morning Show.  E Dexter está de volta, sombrio e perdido como antes. 

Ontem de noite vi dois filmes: Os muitos Santos de Newark (que saudade de James Gandofini e dos Soprano!) e  A cada passo teu (Casey Affleck depressivo como em Manchester a beira mar)

Não há nada que eu esteja assistindo que não seja doído demais. Só Larry David me salva. 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Ao menor sinal de amor sincero eu já fico bem



Na corrida para fechar o ano como disco mais ouvido de 2021, Celso Viáfora sobra na frente. Um senhor disco de inéditas, numa época em que há pobreza de inéditos e que preferimos ouvir os discos revisionais. Já decorei a sequência, que parece contar uma história, que cada canção tem um aprendizado embutido. Arranjos simples, a sutil participação de Patrícia Bastos (que também deu as caras no novo de Luiz Tatit), não há concessões, mas sim poesia seca e canção diversa. E é apenas o décimo disco do Celso. Poderia lançar um por ano.

O último disco de Carlos do Carmo, fadista falecido em primeiro de janeiro, que se chama E ainda..., foi o grande disco de fado desse ano. Poemas de Herberto Helder, José Saramago, Sophia de Mello Breiner viraram fados lindíssimos.

Meus ouvidos ficaram muito felizes já agora no final do ano com o disco novo de Céu, Um gosto de Sol. Um disco de intérprete em que a cantora, que já tinha lançado um bom disco no início do ano (acústico) soube juntar Ismael Silva com Morris Albert, por mais estranho que pareça. E deu vida nova a velhas canções como Teimosa, Chega mais, Pode esperar e a faixa título.

Luiz Tatit e Dante Ozzetti não precisaram de muito para fazer um disco ótimo de ouvir, Abre a cortina. O disco abre com Ao menor sinal, que é daquelas canções que grudam e fazem o dedo nervoso voltar muitas vezes. Depois fica mais intimista, mas nunca perde o pique.

Nana Tom Vinicius provavelmente é do final de 2020, mas não dá para deixar passar, pois foi ouvido mesmo esse ano. É possível reinventar canções de Tom e Vinicius gravadas centenas de vezes por outros intérpretes e não soar repetitivo? Só Nana Caymmi pode conseguir essa proeza. É daqueles que classifico como obrigatório.

Finalmente esse Aldir inédito, que faz a ponte entre Aldir e Noel, numa versão antológica do ültimo desejo (Outro último desejo), só para citar uma das grandes canções do disco. Deve ter mais Aldir perdido por aí, vamos garimpar. A poesia dele faz muito bem ao coração.

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Devorando Paulina Chiziane, a ganhadora do Prêmio Camões de literatura. A escritora tem uma ligação forte com a literatura de Maria Valéria Resende. Estou lendo Niketche (Uma história de poligamia) e O alegre canto da perdiz (no kindle). De vez em quando rola uma lágrima no olho vazado. Aldir também sabe produzir esse efeito lacrimoso.

Triste cuíca

Aceitar o castigo imerecido Não por faqueza, mas por altivez No tormento mais fundo, o teu gemido Trocar um grito de ódio a quem o fez As de...