domingo, 21 de novembro de 2021

Os esquecidos do Ingá

 



Não desprezeis minhas humildes saudades, mas buscai, em vossa meninice, lembranças parecidas com estas e elas vos restituirão um certo apego, um pouco de bem querer aos dias de hoje, tão sem graça em sua maioria."

Antônio Maria


Hoje passei a manhã tentando dar ordem aos discos. Levei muitos para Miracema e os que ficaram aqui no Ingá estavam rejeitados na desordem. Pérolas como essas da foto, amontoadas em pilhas e pilhas de discos aleatórios, agora estão devidamente ordenados e distribuídos nas gavetas. Depois fui almoçar com meus tios já com a lombar em pedaços.

Tenho me sentido como meus discos, mas não é muito diferente do que sempre foi. Meus tios conseguem trazer a família de volta. Estão sempre atentos aos meus abismos, sempre prontos a conversar ou a ir ao super mercado sem necessidade, só para fazer companhia.

Velhos discos trazem velhas lembranças de volta.

Descobri, por exemplo, Nana Caymmi através do Mudança dos Ventos. Devia ter 19 ou 20 anos, e aquele disco bateu com uma força arrebatadora. 

Eu sei que estava na fazenda, com meus amigos e a vitrolinha philips. Foi ali que a Nana apareceu. Numa fita cassete emprestada por uma amigo do Rio que estava em Paraíso.

O Paraíso era um lugarejo pequeno, onde íamos encontrar as meninas e comer pastel. Ficávamos ali, na escadaria da igreja, sentados, conversando, acompanhados das moças, de um litro de Rosa de Prata e um violão intuitivo tocado com sentimento pelo Carlinhos Bessa. 

Todos fumavam na época. Eu fumava Parliament, um cigarro que tinha um buraquinho no filtro  e eu achava aquilo muito chique, mas não sabia tragar. De tal modo que a minha carreira de fumante deve ter durado uns vinte cigarros. 

Nem imagino como tinha assunto para tanta conversa, mas a verdade é que só saíamos dali depois da meia noite. Voltávamos a pé para a roça quando já era madrugadinha. No calor, apareciam enormes aranhas caranguejeiras e a gente tinha que levar a lanterna para não pisar numa delas. 

No início não tinha luz. Usávamos lanterna ou vela e o escuro era um intenso breu. Quase sempre fazia frio e quase sempre faltava coberta. Nada que uma dose de Rosa de Prata não ajeitasse.

Jantávamos o macarrão com coloral feito pelo caseiro, Geraldo Paturi. De vez em quando rolava uma galinha roubada do vizinho pelo cachorro treinado especialmente para esse fim pelo Paturi.

Hoje todos estamos todos muito velhos e quase já não nos vemos mais. As meninas de Paraíso, já não sabemos por onde andam. Geraldo Paturi já se foi de nós. Tudo passou. Rápido, apressado, sem que nos déssemos conta do quanto aquilo era tão puro, simples e fazia bem.

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