segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Íris

 


"Meu pai chorou

Escondido no fundo do quartinho

Um cavaleiro embaixo do moinho

Me deu um puta dum pavor.

Chão afundou

O mundo imenso e eu pequenininho

Mais assustado do que um passarinho

Depois que o galho se quebrou

O ninho foi e ele ficou.

Meu pai chorou

E eu rasguei a imagem do santinho

Porque Deus me pareceu mesquinho

Em ter cometido o desalinho

De criar a dor e pôr espinho

Até mesmo no sentir carinho

É cruel sofrer de amor.

Meu pai chorou

E dessa vez não tinha sido o vinho

Ninguém tocava um samba do Paulinho

Não tinha um filme arrasador

Sol apagou

Seu olho azul ficou azul-marinho

Seu corpo imenso algo tiquititinho

Que olhou pra mim e disfarçou

Mas, de pouquinho, se entregou

Meu pai chorou

Tudo em mim fez um redemoinho

Ele, ali, no chão sujando o linho

Foi a vez que fiquei mais sozinho

Sem Pelé deixei de ser Coutinho

Sem seus pés entrei por um caminho

Nunca mais parei de andar

Lembro do meu pai me pegando a mão

Lembro do meu pai dando a decisão

Lembro do meu pai sempre ser meu pai

Sempre ter seu brilho

Eu virei seu filho

Quando vi meu pai chorar"

Celso Viáfora


A bordo do MSC View e todos os seus benefícios, suas cafonices e suas limitações, viajo novamente com meus filhos.

E novamente demoramos para embarcar nas filas imensas, com minha paciência por um fio. Esgoto-me rápido, acho que meus estabilizadores de humor estão datados. Os meninos tentam entender. Lucas me abraça, Chicote contemporiza, eles ajudam a carregar o peso da minha bipolaridade.

Ao entrarmos, percebemos que limaram a parada em Ilha Bela, a troco de uma pequena compensação em dólar, que será consumida em chocolates e um wi-fi por um dia, de presente para eles. Nada de wi fi para mim. Viajei para ficar disperso mesmo.

Minha íris fotografada no navio mostra com clareza, os lagos, as cicatrizes e as esquinas que dão a volta no meu olho esquerdo. Será que eles percebem? Será que imaginam o quanto caminhei para chegar até aqui?

A programação é a mesma do ano passado: jantamos às 18:30, vamos ao show das 19:30 e depois nos recolhemos. De dia quando há Sol, vamos às piscinas confratenizar com as famílias imensas que viajam conosco.

Em Montevideu, lembramos da experiência anterior e não vamos mais à excursão fajuta que o navio oferece. Vamos ao Estádio Centenário e ao Mercado do Porto. Ótimas visitas para uma manhã. O estádio, posso estar blasfemando, mas achei mais bonito que o Maracanã. É mais tradicional e mais antigo. Na sala de troféus, sentimos falta de uma homenagem (não tinha uma foto sequer) a Pelé.

O Mercado do Porto de Montevidéu é ótimo. Tem souvenir de tudo quanto é tipo, come-se muito bem e pode se tomar um medio a medio, bebida típica do lugar, bem recomendada por um amigo.

Já conhecemos intimamente Buenos Aires, de modo que mais uma vez fizemos nosso próprio roteiro. Não sei se por influência da extrema direita que governa o país, os argentinos estão ficando cada vez mais grossos no trato com os brasileiros. Logo nós que deixamos nossos dólares lá e deveríamos ser muito bem tratados.

Escolhemos duas paradas: o Monumental de Nuñes e o La Cabrera. Não vou ficar detalhando meu mau humor na imensa fila do Estádio do River, que privilegia argentinos e cujo leão de chácaras é um sujeito extremamente grosseiro. Dessa vez até Lucas se destemperou. O Estádio é muito bonito e tivemos o direito (pago, obviamente) de ver o gramado. 

O La Cabrera (que também quase desisti por causa da fila) continua o mesmo. Tivemos a sorte de sermos servidos pelo mesmo garçon das últimas vezes. Ótima carne e melhor ainda panqueca de doce de leite.

Desembarcamos no Rio sem grandes atropelos, e dessa vez, não reservei para o ano que vem. Mas é possível. 


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Evidências

Eu assisti o concerto de João Gilberto no Teatro Municipal em 2008 com a admiração e  fascínio do menino que ouviu o Amoroso centenas de vezes seguidas.

Vi Luis Melodia no Teatro da UFF depois de um atraso de 3 horas fazer um concerto intimista de voz e violão de comover .

Tive a chance de assistir Gal Costa entrar pela porta da frente do Canecão com o Olodum e ficar deslumbrado com sua voz e seu carisma.

Eu assisti Nana Caymmi, Djavan e Fátima Guedes no Teatro Leopoldo Fróes em Niterói nos tempos do Projeto Pixinguinha em shows que ficarão comigo para sempre.

Eu vi Ana Moura, Mariza e Gisela João cantarem seus fados no Rio e me emocionei em cada canção.

Eu vi Eduardo Gudin e Celso Viáfora no Rio, dois compositores paulistas que fazem parte do seleto grupo de 3 ou 4 dos melhores compositores de samba vivos.

Eu fui a Rosal e vi os melhores chorões se apresentarem em jams inesquecíveis.

Desculpe, mas eu tenho todo direito de achar "Evidências", uma boa merda.

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...