quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Ao que vai chegar

" Quando chegares aqui

Podes entrar sem bater

Ligue a vitrola baixinho

Espera o anoitecer

Logo que ouvires meus passos

Corre pra me receber

Sorri, me beija e me abraça

Não me perguntes por quê"


"Não é por me gavar

Mas eu não tenho esplendor

Sou referente pra ferrugem

Mais do que referente pra fulgor"

Há muito não tenho ninguém. Há muito tempo minha vida tem sido uma estradas de idas e vindas, de caminhos tortos, de esquinas mal resolvidas. 

Se um dia te encontrar, não repare, estarei confuso. Serei aquele instável, que às vezes fala uma coisa e resolve outra. A perspectiva de te encontrar já me confunde. 

Não espero mais nada da vida. O que ela tinha que dar já me deu, e sou grato por tudo. 

Há tempos meus objetivos são os mais humildes e simples: estar com meus filhos o maior tempo possível, dar algum conforto a eles e a mim, e aproveitar da convivência com meus dois ou três amigos. E trabalhar, porque o trabalho me completa.

Não quero conhecer o desconhecido. Minhas viagens se resumirão à minha aldeia, e quando for possível, à lugares que amo, especialmente Lisboa e Buenos Aires, cidades que cheiram música.

É dificílimo um bipolar sustentar uma relação. Porque um bipolar é cheio de altos e baixos, e por mais que os (muitos) medicamentos ajudem, há sempre um certo grau de instabilidade.

Uma noite mal dormida já me transforma em zumbi. É difícil lidar com zumbis. No geral, quando estou zumbi, eu me isolo do Mundo. Ou, quando consigo, me agarro a uma tarefa demorada e só saio dali com ela pronta, quando já está na hora de dormir de novo.

Nesses últimos anos, larguei a bebida pelo sono. Dormir bem é uma dádiva. Por isso durmo cedo e procuro desacelerar quando deito. Meu sono começa a fluir com a TV ligada. Quando chega perto delle, eu desligo.

Leio em demasia, mas leio muito menos do que queria e mesmo assim, meu repertório de conversas é escasso. Quando me aquieto, preciso de respeito pelo silêncio, mas não quer dizer que esteja mal. O silêncio faz parte da minha vida e me completa.

A intimidade também precisará de tempo e silêncio (tiempo y silencio, voz y quebranto). Coisas íntimas são muito pessoais e eu não quero me machucar mais. 

Adoro letra e música. Conservo meus discos como pedras preciosas e sempre que posso, compro novos. E apesar de ser antiquado, para os melhores amigos, dou discos de presente. 

Nunca gostei de bichos. O único cão que aprecio é o Horácio, que pertence à minha filha. Ele e ela cuidaram de mim num tempo sombrio.

Dirijo muito pouco. Os olhos ficaram dispersos e me distraio muito. Ademais, não preciso de carro. Gosto de atravessar a Baía de barca e não me importo de ir de ônibus para minha cidade.

Já perdi pai, perdi mãe, perdi irmão. A saúde é frágil, a história pregressa é cheia de desvios, alguns gatilhos ainda me exaltam. Mas ainda estou por aqui.

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O primeiro poema (Quando chegares) é de Vinicius e Carlos Lyra. O segundo (Poema sobre nada) é de Manoel de Barros.


Rio, 9 de novembro de 2023



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