terça-feira, 29 de junho de 2010

Vazio

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

Fernando Pessoa

Não é muito comum, não sei porque acontece, mas a verdade é que perdi o sono. Deve ser a viagem de amanhã, deve ser porque Laura não vai comigo, deve ser porque o dia esgotou e o rivotril não fez efeito, deve ser porque está tudo tão vazio. Está tudo perplexamente vazio em mim.
O frio niteroiense raro aumenta um pouco mais a dor. "No inverno, tudo dói mais. As juntas, a última faixa do disco..."
Estou há quase mês sem ir à Miracema. Minha relação com minha cidade, os amigos, os filhos, os pais, é bipolar. Tenho medo de encontrá-la como encontrei da última vez. Estava vazio como hoje de noite.
E aí o BDF é só um pé sujo onde se come uma carne suculenta, minha cama é só uma cama mais bem arrumada do que as outras, e as ruas da cidade são iguais a de toda cidade.
Ah, como eu quereria entender esses mecanismos que de repente, transformam a cidade em morada, a casa em aconchego e o BDF na melhor conversa dos últimos tempos. Não sei as razões que me deixam na dúvida.
Na dúvida, pensei não ir. Trabalharia normalmente na quinta, veria o jogo sozinho na sexta, como já tenho feito, e tem sido bom e equilibrado estar assim, parte da rotina.
Tudo isso não tem a menor importância e não leva a lugar algum. São só lacunas.

Um comentário:

Unknown disse...

Fez bem de ir. Chicó vai adorar o jogo, independente do resultado. Bjs

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