segunda-feira, 27 de março de 2023

Ludovico e Wisnik

 


Esse tórrido calor de março tem reservado gratas surpresas.

Em janeiro, quando abri o site do Vivo Rio para comprar ingreso para o show do Paulinho da Viola, encontrei o inesperado fazendo surpresa: que Ludovico Eiunaudi viria ao Brasil e iria se apresentar na casa de shows. Apesar do nosso fanatismo pelo pianista, nunca pude imaginar que essa oportunidade viria. Na mesma hora liguei pra Laura , na mesma hora comprei o ingresso. 

Conheci Ludovico através de uma crônica do Paulo Roberto Pires. Na época ele estava lançando o Diário Mali com Balake Sissoko. O disco foi um alumbramento. Tratei de contaminar minhas filhas. O Diário é de 2003. Foi quando a gente começou a ouvir e não parou mais. 

O show foi ótimo. Seria mais propício que fosse no Municipal, mas no final deu tudo certo.  Um sujeito chorava compulsivamente na cadeira de trás. Alguns menos educados erguiam seus celulares e filmavam desesperados, atrapalhando nossa visão. Ludovico solo ou em trio ou ainda em quarteto foi uma experiência única. 

E ontem fui à Sala Cecília Meireles para o lançamento de Vão, o disco novo de Zé Miguel Wisnik.

Adoro a sala, mas dessa vez, equivocadamente, comprei os ingressos na platéia superior. Não gostto de ficar longe do artista. No resto deu tudo certo. 

Wisnik abriu o show com o Jequitibá. Essa canção diz muito do meu amor por São Paulo, porque tudo que está dentro dela faz parte da minha vida paulistana. 

Celso Sim foi um show a parte. Cantou Terra Estrangeira lindamente e fez duo com Wisnik na belíssima Eu disse sim. Aprendi que Carlos Renno decantou essa música do último trecho de Ulisses de James Joyce. 

Wisnik contava a história de cada canção, da construção das letras, das parcerias, tudo de forma muito didática e agradável. 

Das antigas tocou Mortal loucura e Os ilhéus (com Antonio Cícero presente no palco). No mais só as coisas maravilhosas do Vão.

No calor extenuante do domingo, Wisnik foi um sopro de alívio.


quinta-feira, 23 de março de 2023

Até breve, João





O coração não sente nada
Do que não quer enxergar
Cá no mundo da lua
Tive notícias suas

Adriana Calcanhoto


A primeira vez que ouvi Zé Renato (ao vivo) foi em 1981 no Teatro da UFF. Estava lançando Luz e Mistério, talvez o disco mais bonito da sua carreira, se é que se pode nominar um único. De voz inigualavelmente bonita, Zé Renato alternou por diferentes caminhos até chegar ao Quando a noite vem, lançado esse ano. Nesse meio tempo fez discos antológicos em homenagem a Zé Keti,  Sílvio Caldas e Paulinho da Viola, um belo disco de fados, um outro iguamente belo em dupla com Renato Braz e até mesmo um contendo canções da Jovem Guarda, Qualquer coisa na voz dele fica muito bonita, solo ou em coro (com o Boca Livre). Quando a noire vem é um disco delicado, a maioria das canções é conhecida. A opção por um repertório manjado é sempre um risco, mas como já escrevi, tudo na voz dele fica bonito. Comprei o disco. Sempre que puder comprarei no disco. Eu mesmo digitalizo e coloco no Itreco.

Hoje só compro discos na Pops Discos em São Paulo. Eles tratam muito bem tanto quando vamos na loja quanto quando encomendamos. Sempre que chegam, há festa. Como esses que chegaram hoje. Há pouca coisa disponivel. Muita coisa no streaming, pouca coisa no disco.

Meu Itunes tem 256 gigas de músicas digitalizadas por mim. São quase 55.000 músicas. Considerando o tempo médio de três minutos por música, chegamos a 165.000 minutos ou 2.750 horas ou 115 dias ininterruptos para ouvir tudo uma única vez. Não dá mais tempo. Por isso mesmo tenho colocado o Itunes no aleatório para que ele me recarregue de boas memórias. 

Foi assim na última viagem com os meninos. Primeiro veio Adriana Calcanhtto, Tive notícias, do álbum Só. Esse disco é de 2020, mas eu estava esquecido dele. Tive notícias é uma lembrança boa (e triste).

Numa viagem de 4 horas, é incomum que o aleatório repita um artista. Mas dessa vez, Soledad Villamil veio em dose dupla: Amor em entredicho e Volver volver, todas duas muito bonitas. Recordações da Buenos Aires musical de dezenas de idas. Da Argentina, também veio o tango Nocturno do Bajofondo.

Décimas por el nascimiento, Victor Jara, Ana Carolina, Época de Ouro, Flora, Ednardo (daqueles versos tristes Se eu pudesse pensar em ti sem vontade de querer chorar, sem pensar em querer morrer nem pensar em querer voltar...), uma nova versão de Terra Estrangeira com Celso Sim do disco Vão do Wisnik. Vou anotando aqui para uma futura canção de afeto e para não esquecer desse momento terno e delicado com meus meninos. 

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Hoje eu soube da morte do meu amigo João. 

Foi na esquina da Primeiro de Março com a Rosário, onde reinava o sebo de discos Escuta Som, que eu passei os melhores anos da minha fase Rio de Janeiro. Acho que pelo menos um terço da minha discoteca foi comprada ali, em intermináveis conversas com Cláudio, João e Raimundinho. O sebo acabou com a trágica morte do Cláudio em 2017, mas João permaneceu por ali. Por um tempo, vendeu discos usados na Banca de revistas do Seu Franco. Era um homem bom. Sempre que passava na Rua, vindo das Barcas, reservava um tempo para conversar e até cheguei a comprar alguns discos mais para ajudar. O João trazia a Escuta Som de volta.

Hoje soube pelo Seu Franco que o João Partiu. É a vida. Qualquer dia nos encontramos.


Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...