O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema.
Paulo Mendes Campos
O amor acaba. No meio do luto, no meio da dor, no meio do enfrentamento. Acaba porque não há mais sentido. Porque o conjunto das muitas diferenças não aproximou o amor. Acaba depois de muitas recaídas. Acaba porque não há mais espaço para o amor. Cheio de filhos, esperanças, desagravos, o amor acaba. Acaba porque nem a rotina favorece e não há mais tempo para o amor. Acaba quando não há mais viagens planejadas nem rosas para surpreender. Acaba quando as distâncias se acomodam a ponto ser mais cômodo cada um ficar no seu espaço. Acaba quando não há mais tempo para o amor. Acaba quando nada converge e tudo afasta. Acaba quando os destroços são inevitáveis e já não há qualquer possibilidade de diálogo. Quando emudece. Quando o silêncio se transforma em raiva. Quando a raiva é algo doentio. Acaba sem um até logo. Acaba por mensagem. Acaba quando não há qualquer chance de ser restaurado. Acaba quando não há mais nada para dividir. Acaba no meio de uma dor estrangulada, que não cicatriza.
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