terça-feira, 12 de julho de 2022

De volta ao tango

 

" Quando chegamos a gare
o trem realmente estava
ali parado eperando
muito comprido e chiava.
Entramos no carro os dois
eu entre alegre e assustado
meu pai (que já não existe)
me fez sentar ao seu lado.
Talvez mais feliz que eu
por me levar na viagem
meu pai (que já não existe)
sorria, os olhos brilhando"

Ferreira Gullar



Viajei pouco com meu pai, e disso me arrependo. Nossas viagens se resumiam às idas a Niteroi e o máximo de turismo que fizemos foi Guarapari. Meu pai adorava viajar, muito mais que eu, que detesto avião. Suas grandes viagens foram excursões, que fazia exclusivamente com minha mãe. Era difícil e caro levar os três meninos e eles preferiam ir os dois. Quando cresci o suficiente para chama-lo a viajar comigo, não tinha mais tempo.

Também não tenho tempo de viajar com meus filhos, mas a ideia de uma agenda permanente de viagens me atrai muito. 

Por isso se tornou especial essa vinda a Buenos Aires, planejada desde o início do ano. Estava precisando vir aqui Antes da pandemia, costumava vir duas vezes por ano. Adoro a cidade e o tango me persegue pela rua como um fantasma que às vezes é música, às vezes é cheiro, às vezes é paz.

Foi uma vinda rápida, menos de uma semana e escrevo no meio dela. Está sendo ótimo. Eu e meu filho nos entendemos nas coisas que gostamos de ver, e acabo por ir a lugares que nunca fui: à Bombonera, ao Monumental de Nuñes, às pizzarias octagenárias, às lojas de roupas esportivas e naturalmente, ao Kentucky Chiken Fried, descoberto  na Galeria Pacífico. Caminho com o mesmo prazer de quando vim aqui pela primeira vez em 2007: 

Já não há mais disquerias em Buenos Aires. Antes um oásis, agora já não difere do Brasil. Tinha uma perto do hotel. Fiquei interessado na caixa com 6 discos comemorativos dos 50 anos do Let it be, exposta na vitrine. A moça sequer se deu ao trabalho de se levantar para informar. Respondeu simplesmente: é caro. Saí dali sem saber o que continha e quanto custava.

O Novotel Corrientes é bem razoável. Quarto acolhedor, ótimo café da manhã, boa localização. De modo geral, fomos bem tratados, mas vou dar um conselho para futuros visitantes: deve-se trazer sabonete. São mínimos e de difícil reposição. Evite também usar o cartão de crédito como garantia de gastos extras. Paguei em dinheiro e até agora não estornaram.

O Palácio das papas fritas, também uma antiga referência, está cada vez mais decadente. Com a pandemia, fecharam duas unidades, só tendo sobrevivido a da Rua Corrientes. Mas as papas continuam únicas.

Sempre fui tratado muito bem pelos hermanos. Essa coisa de que os argentinos são grosseiros com brasileiros para mim nunca existiu. E há dois pontos favoráveis: os táxis e as farmácias são fáceis de achar e custam um preço justo. Fuja do Uber. São desorientados e caros.


Tem algumas pizzarias octogenárias próximas ao Hotel. A mais famosa é a Guerrin. Uma fila enorme se forma à porta da pizzaria para as pessoas que comem em pé. Outras aguardam mesas. O atendimento é demorado e a nossa opção de aguardar uma mesa foi pior. Encantado com a quantidade de sabores e com o movimento intenso da pizzaria, ousei pedir uma de camarão com ovos duros. Uma lástima. Poucos camarões lixo se amontoavam embaixo de muito ovo cozido. Como fede esse ovo argentino! Talvez tenhamos pecado por termos escolhido um sabor exótico, mas independente do sabor, eu não recomendaria. Também fomos à Pizzaria das Américas, igualmente perto. A pizza Argentina parece igual em qualquer lugar: massa grossa, muita mussarela ( que parece diferente da nossa) e sabor intenso. Gosto mais das nossas Pizzas fininhas.

O La Cabrera continua imbatível. Tivemos que voltar. Tirando a fila do domingo, estava tudo de bom. Ótima carne e uma panqueca de doce de leite com helado de lamber os beiços.

Fiz uma check-list antes de ir, mas mesmo assim esqueci sandália, cotonete e hidratante. Tomo nota para não esquecer da próxima.

O real e o dólar aumentavam a cada dia da nossa permanência. Na Rua Florida, tem mais casa de câmbio do que loja. Você tem a sensação de estar rico, de não caber dinheiro mais na carteira, mas não se iluda: acaba rápido.

Foi muito agradável essa viagem e ficou uma vontade de voltar em breve. Quem sabe no próximo julho?

Todos dizem que eu falo demais

 

Essas fotos do telefone que não me largam. 

Estão agregadas a um timeline que já não faz mais sentido, mas não arredam o pé. Incomodam e, por vezes, tenho que escondê-las para que ninguém as veja.

Vêm em álbuns aleatórios, transitam por Milão, Bariloche, Cascais, Amsterdam. Já não são parte de mim. E no entanto ali estou, com aquele sorriso de fotografia. Estaria feliz? 

Ninguém morreu. Estão todos vivos, mas já não existem em comum. Não são inimigos. Não são mais nada.

As fotos desafiam o tempo. Já não há graça nenhuma naquele jardim, naquela ponte, naquele luar. 

E no meio de tantas fotos inúteis, amontoam-se também filhos e amigos. Essas me encantam. De vez em quando por sorte, o aleatório manda recordações dos saraus lá de casa, de Paraty, de Rosal, lugares mais simples onde a felicidade foi legítima, e continua a ser.

Contrastam com essas outras, mal resolvidas, de noites perdidas, sombras ruins. Estão ali, e vão estar sempre. Não há como rasga-las sem quebrar o telefone. As fotos não são testemunhas de nada. O tempo está morto para elas.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Sua próxima leitura está aqui

 


Comprei pouca coisa da Estante Virtual. Uma edição antiga d'A saga do cavalo indomado, uns dois livros do Cony (também antigos), nada demais. Mas eles continuam a me mandar e-mails. O último é o inspirado título desse post. Sou ótimo em copiar títulos, mas não esperem muito do texto, já revisado e pobre, redundante, algo exibicionista.

Sempre tive um espírito irriquieto para ler, e não é incomum que esteja lendo vários livros ao mesmo tempo. É defeito, eu sei, não vou corrigir agora depois dos 60. Fato é que para manter essa pegada, você não pode se desligar do livro. Por exemplo, A morte do pai (Kar Ove Knausgard) estava estacionado na página 100 até ontem. Tive dificuldade de retomar a leitura e quase volto ao início. Perdi alguns pontos, mas retomei da cem mesmo. O livro é ótimo. Visceral, de uma honestidade contundente.

Três livros de crônica estão sendo degustados à prestação para não acabarem logo. No máximo, duas crônicas por dia. Os sabiás da crônica (Rubem Braga, Vinícius, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Stanislaw e José Carlos Oliveira), Vento vadio (Antônio Maria) e As coisas da vida (Antônio Lobo Antunes). Maria é meu favorito, embora concorde que é muito difícil nominar. Digamos que tenho um carinho diferenciado pelas crônicas de Antônio Maria. Por isso, Vento Vadio é tratado como pérola rara na biblioteca.

Adquiri recente a última edição da antologia poética do Drummond. Não difere em nada da primeira que eu comprei, em 1984 (fotos acimas), mas é espantosamente nova. Tirando os clássicos já decorados (O caso do vestido, A mesa, José), tudo parece renovado, como se estivesse sendo lido pela primeira vez. 

Estou com inveja dos paulistas, que têm a bienal às mãos. Há uma estação dedicada a Portugal, que me interessaria muito. Os livros de Antonio Lobo Antunes que ainda não saíram no Brasil, sabe-se lá porque, devem estar lá. A última porta antes da noite, que faltou comprar em janeiro, pode estar lá.

Esse desespero de estar longe dos livros que quero é maior do que o monte que leio ao mesmo tempo. Respondendo à Estante virtual, minha próxima leitura é diversa, mas principalmente a parte que está longe de mim. 

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...