sábado, 30 de setembro de 2017

Miracema continua do mesmo jeito

"Botei na balança, você não pesou
Botei na peneira, você não passou."
Monsueto


Saí da Rodoviária Novo Rio às 7, cheguei aqui meio dia e trinta, parecia o menino de novo.  Até me permiti um terrível wafer limão na parada em Carmo. Fui pelo olho, mas me arrependi lá pelo meio do biscoito, quando já era tarde. Acabou atrapalhando o almoço árabe carinhosamente bem preparado pela Diô. 
A cidade está seca. Em alguns lugares onde havia rio, fede. Parece mais pobre, embora tenham inaugurado mais uma loja de doce em frente aonde moro.
Mas ainda é a minha cidade. Sinto-me bem aqui com uma velha roupa e uma sandália de dedo e uma vontade de nada. Fiquei em casa de tarde vendo um filme óbvio, depois caminhei até o Le Jardan e fiquei ali chaleirando até umas oito. Voltei pra casa, fiz um mexido e dormi.
Hoje amanheceu chovendo. Dá pra sentir aquele cheirinho besta de terra molhada e a jaboticabeira do vizinho está carregada de frutas.
Sinto necessidade de ligar o velho Pioneer e ouvir uma música original, absolutamente isenta de processos digitalizados., Tento ouvir o mais alto que posso.
Boto uma seleção antiga que me manda Vicente Celestino, Carlos Galhardo, e um pianista tocando O Mundo é um Moinho que já nem me lembro.
No ônibus, vim ouvindo a obra prima Maria João canta Aldir Blanc. Só esse Catavento e Girassol para harpa já vale o disco. Voltei muitas vezes. 
O Selo Sesc lembra a Biscoito fino dos  anos 90. 
Quando boto pra tocar o André de Sapato Novo com Antonio Meneses e Andre Mehmari, ou o Saci, com Guinga e Quarteto Carlos Gomes, dá vontade de agradecer à produção do selo por ter mandado discos tão importantes num tempo em que disco é uma coisa menor, um investimento de risco elevado.

sábado, 16 de setembro de 2017

Crônicas de Motel 5


Se você anda meio em falta. precisando de um estimulante para melhorar a performance.
Se você está carente, precisando de uma alento para estimular o apetite.
Se você é do tempo dos catecismos do Zéfiro e precisa de uma mãozinha.
FUJA DE CINQUENTA TONS AINDA MAIS ESCUROS!
Da trilha sonora óbvia, dos diálogos previsíveis, das cenas de sexo anêmicas, não há nada mais broxante;

Por outro lado Toni Erdmann salvou o dia. Indicado por Luisa, é de uma delicadeza tocante. Sei que estou num dos meus muitos divisores de água e por isso mesmo esse Toni me caiu bem. Um pai professor de música tentando corrigir suas relações com a filha poderosa executiva. Já não tenho mais a idade da filha, nem cheguei à idade do pai, consigo enxergar pelos olhos dos dois. Pelos olhos diferentes dos dois que no final parecem convergir. São quase três horas de um filme  cheio de luz.

Vi ontem Neve negra no NETFLIX.  É um argentino diferente desses habituais que estamos acostumados, muito sombrio,  também abordando relações muito próximas, dessa vez de dois irmãos. Ricardo Darin mais uma vez fez a diferença.

Aos 56, já não sei se tenho mais pique para estar em um divisor. Já tive muitos. Já mudei de casa muitas vezes, larguei projetos importantes para mergulhar em outros arriscados, já passei por muitas esquinas. Alguma coisa está quebrando em  mim, sinto que o ar está rarefeito, e que é preciso encontrar um caminho diferente.

Pouco importa, ainda há canções, filmes, poesia.

E há Luisa, obviamente,  que me levou ao melhor de Tiradentes no meio da semana.

domingo, 10 de setembro de 2017

Crônicas de Motel 4





Planejo uma quadragésima canção de afeto, sem mesmo ter terminado a trigésima nona , que ficou parada num tempo sem canções de afeto. Tríades de Bom dia e Feriado na roça (conforme já comentado), e já temos aí umas trinta para compor a quarenta. Voltei a ouvir música no aleatório, o que tem me trazido agradáveis surpresas. Minha biblioteca chega a quase 40.000 canções, inimagináveis para mim mesmo, que pretendia que o meu Ipod Classic de 160 gigas encerrasse minha carreira de ouvinte.
Há coisas que nem a apple music nem a spotify fazem idéia da existência. Um disco que dois queridos amigos me trouxeram quando foram à Casa dos Carneiros no Recôncavo Baiano,  o único do Fernando Lona, o segundo da Clara Sandroni e por aí vai.
Nesse meio tempo voltei a escrever essas bobagens de dois ou três leitores, que ficam melhores expostas aqui do que em grupos de whatsapp ou no facebook. Continuo escrevendo para mim mesmo, não são poucas as vezes que me pego lendo minhas próprias bobagens.
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Mas esse fim de semana foi tudo muito atípico com essa visita familiar a São Paulo. Estou acostumado à São Paulo dos fast foods, de terminar o dia exausto de trabalho, de não ter qualquer perspectiva que não seja uma boa noite de sono.
No passado experimentei com Luisa. Ela veio e ficou dois dias aqui comigo, Mas foram só dois dias, e ainda assim foi muito bom. Esse foi um feriado inteiro.
Não se descansa com uma criança de quatro e outra de dez. Tudo que elas querem é correr, brincar, ir aos lugares que a gente já não vai há muito ou nuca foi.
Por exemplo o zoológico de São Paulo desse dromedário sorridente. Depois de uma fila de quase três horas num sete de setembro a 35 graus, a careca triscando, adentramos o zoo. Há mais humanidade na relação com os animais ali do que aqueles que fomos em Buenos Aires. O safari é de van mesmo, com trânsito engarrafado, pois permitem a entrada de carros de passeio. Tudo parece meio improvisado, mas se leva bem.
E assim foi todo o fim de semana, entre shoppings, brinquedos, algazarras e o joelho direito moído. Vida em comum, contada nos afetos do Lucas e da Manu.
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Depois de uma chegada tranquila cheguei a tempo de almoçar na sogra e retornar para casa tenso para ver o Fluminense ceder o empate para o Vitória no último minuto de um jogo ruim. Bem que eu mereceria um desfecho mais agradável...

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Crônicas de Motel 3

Pro Ney

Lembro da Tia Militza falando para minha mãe que o Ney era o mais bonito dos irmãos e da raiva que eu fiquei de estar ouvindo aquilo. E era mesmo. Tinha sido bem planejado, nascera em dezembro e era quatro anos mais novo do que eu. 
Passamos a infância contabilizando nossas diferenças. Eu era de casa, já gostava imenso de letra e música, lia compulsivamente as revistas em quadrinho e os outros dois, principalmente o Ney, eram da roça, dos cães, dos cavalos e dos açudes. 
Herdamos dos nossos pais a insônia, de tal modo que acordávamos quase sempre de madrugada e cada um escolhia o que fazer antes do amanhecer. Eu geralmente estudava para ficar livre dos estudos a tarde. Os outros dois acompanhavam meu avô nas caçadas de espingarda e cachorro vira lata, e quase sempre vinha uma saracura ou uma piaçoca.
O Ney herdou da minha mãe, a generosidade. Até o final da vida, quis ajudar. Ajudou com pouco, com muito, com quanto teve. Diferente de mim, que sempre me assusto quando me pedem dinheiro na rua, e só dou gorjeta para o trio de sanfona, zabumba e baixo que toca de vez em quando na Paulista.
Isso tudo me vem à cabeça porque não é incomum, mesmo depois de algum tempo, voltarem as recordações dos difíceis últimos dias do Ney. Eu estava em São Paulo quando soube de sua morte. Corri para o Rio e daí para Pádua e depois Miracema. Corri tarde demais. Corri quando já não adiantava nada. Foi um estrago pior do que a morte dos meus pais. 
Naqueles tempos, havíamos superado alguns desagravos e tentávamos recompor a família. E o Ney voltara a ser aquele menino e a cuidar da terra, do jeito que meu pai possivelmente quereria. A morte o pegou quando ele começava a recuperar a estima. 
Que coisa! Estava aqui agora e em poucos minutos não estava mais. E que falta faz aquele menino!


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Crönicas de Motel 2

Para Luis Melodia


O tudo que se tem não representa nada Eu era moleque vindo de Miracema, fui ver Melodia no Teatro da UFF. O show, marcado para as 21, começou às 24. Oitenta por cento da plateia e os músicos já tinham ido embora. Ficaram Melodia e Renato Piau. Ele chegou com uma camisa do Vasco, pediu desculpas pelo atraso e falou que iria improvisar. Foi um alumbramento de mais de duas horas de música, de sair extasiado dali. Vi muitas outras vezes, principalmente no Rival, mas nunca como aquela noite. Começou com Estácio, eu e você, os dois violões em uníssono, choravam serenamente. Nunca se esquece. Nunca morre.

Quem é cover de quem - fiquei em dúvida se Melodia chegou a conhecer a bela homenagem prestada por Itamar Assumpção no disco das Orquídeas. Pra ser sincero, cheguei a ficar com raiva de Melodia não ter se manifestado acerca da canção. Terá conhecido? Agora os dois já se foram, ficou a música. É o que fica.

Já que o tempo fez-te a graça de visitares o norte, leva notícias de mim - Por outro lado, nunca assisti a um show de Belchior. A voz ardida do cantor deve ter me levado para longe de suas apresentações, mas tenho e ouvi (muito) todos os discos. Tem um em especial, que se chama Bahiuno, que talvez só eu tenha, adoro. É tão bom quanto Paralelas ou Alucinação, mas ninguém ouviu. Eu, sim, muito. 

Olha a onça aí - Fui com o Lucas assistir o show do Riachão. O menino não para de cantar Valdinéia. Riachão é uma referência do samba da Bahia, mas o show parecia coisa do Adoniran, talvez pelo grupo paulista que acompanhava Aos 95, ainda dá conta do recado. Um luxo.

Há pessoas que você vê e diz: só no vaso sanitário aquele ali é feliz (Abel Silva) - auto explicativo.

Vem aí um disco de Maria João cantando Aldir Blanc. Não há nada que eu possa esperar com maior ansiedade. Esse e a inauguração de uma Toca da Traira perto da minha casa.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Crônicas de Motel

Para Sam Shepard


Aguardando a família em São Paulo - depois de quase seis anos na ponte aérea, consigo pela primeira vez, inverter a ordem das chegadas: dessa vez são eles que chegam. Isso poderia ser uma grande bobagem colocado assim a esmo, mas para mim tem uma importância de pedra. Essa coisa de subverter a ordem deixou meu velho coração satisfeito. Já posso imaginar o Lucas caminhando comigo pela Paulista ao entardecer. Espero que venham com essa alma leve que está permeando esse feriado.

Jogava o Flamengo, eu queria escutar - já me acostumei às segundas e às aulas de violão. Estou certo que meu professor entende que é só aquilo ali, que não haverá nada mais do que aquele pequeno momento íntimo, em que ouvimos e tocamos canções que são caras para mim e inéditas para ele. Algumas me pegaram cansado demais, mas ele percebe e alivia. É o único momento varanda da minha casa. Varanda que pensávamos ser um ótimo lugar para conversar e tomar um vinho num final de sexta.

O fim da delicadeza - no dia do meu aniversário, torci que corresse o mais breve possível e que fosse uma data normal em que eu pudesse jantar com a família com todos à mesa. Impossível estarem todos, mas foi tocante a decisão da Manu de não ir para o pai e ficar conosco para jantar. Nesses tempos difíceis, foi uma das coisas mais delicadas que me aconteceram em 31 de agosto.

Três canções - Mônica Salmos gravou o disco do ano - Caipira - mas me chamaram a atenção três canções caipiras de autores não caipiras que já deixaram muitas lágrimas no meu olho seco. Primeiro foi o Baile Perfumado do Roque Ferreira. É certamente a canção mais bonita que ouvi esse ano. Roque está com muito crédito. Seus dois discos não saem do Itreco. E essa agora. A versão de Mônica para Feriado na roça de Cartola compete deliciosamente com a do autor e a de Cida Moreira. Não se sabe de qual se gosta mais. Na próxima canção de afeto, vou botar as três emparelhadas. E Bom dia, de Nana e Gil, que já tinha gostado com Gil e Milton e também com Cida. Outro caso de emparelhar e ouvir muitas vezes.

As caravanas -um novo Chico é sempre um novo Chico e deve se esperar esses lapsos de genialidade do autor, como em Tua cantiga, dele com Peranzetta. Lembra muito das composições de Chico com Jobim. E esses versos divergentes, que incomodam do mesmo jeito que encantam. Só reclamo da preguiça. Um disco com nove faixas,  sendo duas regravações é quase um compacto duplo. Mas ainda é um Chico.
É outro caso de polícia muito sério foi a última temporada de game of thrones: 7 episódios. Muito pouco para quem está órfão de séries nesses últimos tempos.

Pirão de peixe - saiu uma edição especial do clássico Pirão de peixe com pimenta, do Sá e Guarabyra. Corra antes que acabe!

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...