quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Crônicas de Motel 3

Pro Ney

Lembro da Tia Militza falando para minha mãe que o Ney era o mais bonito dos irmãos e da raiva que eu fiquei de estar ouvindo aquilo. E era mesmo. Tinha sido bem planejado, nascera em dezembro e era quatro anos mais novo do que eu. 
Passamos a infância contabilizando nossas diferenças. Eu era de casa, já gostava imenso de letra e música, lia compulsivamente as revistas em quadrinho e os outros dois, principalmente o Ney, eram da roça, dos cães, dos cavalos e dos açudes. 
Herdamos dos nossos pais a insônia, de tal modo que acordávamos quase sempre de madrugada e cada um escolhia o que fazer antes do amanhecer. Eu geralmente estudava para ficar livre dos estudos a tarde. Os outros dois acompanhavam meu avô nas caçadas de espingarda e cachorro vira lata, e quase sempre vinha uma saracura ou uma piaçoca.
O Ney herdou da minha mãe, a generosidade. Até o final da vida, quis ajudar. Ajudou com pouco, com muito, com quanto teve. Diferente de mim, que sempre me assusto quando me pedem dinheiro na rua, e só dou gorjeta para o trio de sanfona, zabumba e baixo que toca de vez em quando na Paulista.
Isso tudo me vem à cabeça porque não é incomum, mesmo depois de algum tempo, voltarem as recordações dos difíceis últimos dias do Ney. Eu estava em São Paulo quando soube de sua morte. Corri para o Rio e daí para Pádua e depois Miracema. Corri tarde demais. Corri quando já não adiantava nada. Foi um estrago pior do que a morte dos meus pais. 
Naqueles tempos, havíamos superado alguns desagravos e tentávamos recompor a família. E o Ney voltara a ser aquele menino e a cuidar da terra, do jeito que meu pai possivelmente quereria. A morte o pegou quando ele começava a recuperar a estima. 
Que coisa! Estava aqui agora e em poucos minutos não estava mais. E que falta faz aquele menino!


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