quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Capitu


"E ali em frente a mim você me disse,
que a falta que eu nunca te fiz então se fez.
E desabando como um edifício
abria um abismo a nossos pés.
Você nos viu tão bem,
no fundo de ninguém,
e o que se revelava a sós:
que elo nos valeu
que elo, ela e eu
E a lua absurda sobre nós..."

José Miguel Wisnick - DNA


Conheci minha Capitu há alguns anos. Foi uma espécie de amor a primeira vista. Um conformado amor a primeira vista, poi se tratava de moça casada. Era loira e tinha uma pele branca nas maçãs do rosto, que coravam quando sorria. E um sorriso doce de desarmar qualquer marmanjo.
Trabalhamos juntos na mesma sala. Logo nos primeiros dias, viemos ao Rio a serviço, só eu e ela. O marido não gostou. O marido não era bem um Casmurro, tratava dos cabelos das moças da cidade. E não gostou nada quando deixei a moça só perto de casa (e não em casa) quando voltamos da viagem. Veio tomar satisfação comigo e tentei explicar que nós do interior somos mesmo mal educados e preferimos manobrar o carro onde é mais fácil do que deixar as moças em frente de casa. A viagem não rolou nada, mas foi uma viagem confessional, de abrir o coração e não as pernas. As pernas só se abriram duas vezes nos partos da minha Capitu.
Bem que eu tentei, desajeitado, dar asas ao magnetismo que existia entre nós, mas logo percebi que era só amizade mesmo. Que fazer? Ao longo desses anos, exercitamos essa amizade das mais variadas maneiras e até fomos sócios numa loja de discos. Muita conversa, bons fluidos, boa sintonia, alguns porres homéricos, envelhecemos juntos e hoje só de olhar um para o outro, já nos compreendemos um ao outro.
Ainda hoje, olho pra ela e vejo a mesma menina. Sei que o tempo endurece a alma, mas prefiro pensar nela como nos velhos tempos em que fomos felizes. Aqueles tempos só voltam porque sei que, a poucos metros da minha sala, minha Capitu ainda brilha , como se a vida não machucasse tanto.
Para mim, ainda há um grande mistério naqueles olhos tristes. Queria decifrá-los por inteiro, mas as Capitus são sempre indecifráveis, mesmo quando se doam das formas mais generosas e doces.

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