sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Amora



Toda dia eu abro minha geladeira e encontro aquela geléia de amoras preparada carinhosamente pela Teresa. Eu penso numa torrada, penso num chá, penso num queijo minas para comer com aquela amora. Mas só penso. A amora fica ali do mesmo jeito e eu, como fugindo dela, devoro tudo que não é saudável: bolos, doces, chocolates, bombons, alimentos diversos que quando não matam, são precursores do Alzheimer, obstruem dos vasos, destroem coronárias. engordam. Os doces são uma espécie de fuga. Do cansaço , das dores, do burnout, dos aeroportos.

Passei boa parte da minha vida dentro dos aeroportos. Na maioria das vezes, passei por momentos tensos. A expectativa do embarque, os atrasos, o embarque, os assentos mínimos, o banheiro mínimo, o desembarque. O voo em si não me preocupa. Abro meu Ipad, sintonizo uma série chata e sublimo. O que mata é o entorno.
Prefiro a Gol. Não porque seja melhor do que as outras, mas porque a uso tanto que tenho certas regalias, como assento nas primeiras poltronas que eles chamam de conforto. Hoje viajo pela Azul. De Petrolina para Recife, do Recife para o Santos Dumont. Sem regalias. Sentado aqui no embarque, que nem água tem, aguardo. Tenso pra variar.
Eu achei que a pandemia tinha me curado dessas tensões. No primeiro voo depois da crise pandêmica, eu cheguei em Congonhas e ao invés de pular num táxi, parei numa sorveteria ali do embarque mesmo e saboreei lentamente um sorvete de pistache. Depois me atirei no táxi. Já era noite, os compromissos eram só na manhã seguinte. Achei que estava curado.
Quando a rotina dos voos voltou, descobri que não. O que quase me mata agora é o medo de chegar no Recife e não conseguir embarcar para o Rio.
Mas enfim, no tranco e a trabalho, conheci Petrolina. É bonito o velho Chico visto daqui. Contaram-me que é aqui que ele faz a volta. Não entendi direito. O fato é que o rio é exuberante. Suas águas mansas molharam meus olhos secos..
Também conheci a catedral. Belíssima. Entrei e rezei uma Ave Maria. Envergonhado da minha pseudo fé.

Mais de mês sem ir a Miracema e logo vem o desespero. A distância entre uma ida e outra pesa nos meus dias. Quando se alonga, envelheço mais rápido, perco a fé, desatino. Não há nada em Miracema que seja urgente ou obrigatório, por isso mesmo é essencial. Ali na minha aldeia, há um Mundo apartado desse que eu vivo. Um Mundo mais leve de viver.

Nenhum comentário:

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...