sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Deja vu

Estou lendo "O dia que o rabino foi embora", Harry Kemelman. É meu primeiro Kemelman, recomendado avidamente pelo Maurício do AlFarabi. É desses policiais noir, com a diferença de que o detetive é um rabino. Lá pelas tantas, há uma reunião do Comitê de ritual para se escolher o novo rabino da cidade. O trecho que trancrevo abaixo é parte dessa reunião.
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"Al Bergson, presidente do conselho, bateu na mesa pedindo silêncio e disse:
-Muito bem, o espetáculo vai começar. Sugiro dispensarmos as formalidades de praxe e discutirmos apenas o assunto rabino. Alguma objeção?
- Não, vamos logo com isso!
- Claro, pra que perder tempo?
Várias outras exclamações parecidas mostravam que o conselho concordava calorosamente.
- Muito bem. O Comitê de Ritual examinou vinte e três candidatos, dos quais oito são recém-formados pelo Seminário. Alguns já tiveram um emprego temporário...
- Os outros já têm congregação fixa?
- Quer dizer que todos esses querem sair do emprego que têm? Ora, o que há de errado com eles? Ou o que há de errado com o emprego?
- Será que estamos oferecendo um salário mais alto que as outras congregações?, Perguntou o Dr Marcos.
- Como já expliquei quando esse assunto surgiu - disse Bergson - estamos na faixa mais baixa de salários do mercado. Na verdade, dois ou três candidatos teriam que aceitar um bom corte de salário para trabalhar aqui.
- Nesse caso, por que...
- Porque estamos apenas a 35 km de Boston, um dos grandes centros culturais do Mundo.
- Questão de ordem! Era Ira Scharz, que gostava de cumprir metodicamente os regulamentos.
Bergson deu um suspiro:
- Sim, Ira, qual é a questão de ordem?
- Parece que você vai apresentar o relatório do comitê na qualidade de presidente!
- E qual é o problema?
- Ora, é que apresentar um relatório do comitê é como propor uma moção. Portanto, acho que você deveria passar o martelo para o vice-presidente. Daí, depois que ele o autorizar oficialmente como porta-voz, você pode fazer seu relatório.
- Mas eu não tenho martelo - disse Bergson com um sorriso - Apenas bato na mesa com os nós dos dedos. Você quer que eu dê minha mão para o vice-presidente segurar e bater na mesa com ela enquanto eu faço o relatório?...
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Sem querer (ou propositadamente), Harry Kemelman fornece um modelo de reuniões incansáveis e rodopiantes, que discutem exaustivamente sem nenhuma objetividade manifestações intermináveis que nunca chegam a lugar algum.
Participei dessas reuniões por 10 anos. Hoje depois de quase cinco anos livre delas é que compreendo porque sofria tanto. Davam-me engulhos e tédio e eu nada podia fazer.
Os personagens de Kemelman são personagens caricatos de qualquer conselho: há aquele que argumenta contrariamente, mas não tem noção do que está falando, há aquele que não leu nada e faz perguntas imbecis, há aquele que tenta ser metódico no cumprimento dos rituais, enfim , há de tudo nesse meio.
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Também a turma de BH não me é estranha. Já fiz esse trabalho ano passado em Cuiabá (*). Dessa vez o cenário é o seguinte e eu mesmo o descrevo:
-Estamos a três módulos de terminar a pós graduação, insatisfeitos com o curso em geral, ninguém aguenta mais ficar quinta e sexta de 18 às 23 e sábabo de 8 às 20 e precisamos de alguém que nos faça sofrer menos!
Nesse cenário, o professor (que sou eu) chega com uma hora de atraso e encontra a turma pronta para jogar as pedras.
Ontem foi um dia daqueles! Saí do Rio depois de uma reunião de dia inteiro (não como aquela lá de cima, certamente mais objetiva!) já confuso de horários entroncados, de viajar e trabalhar nos últimos quatro finais de semana, de ficar longe demais das crianças, de saco cheio e uma hora de atraso pra falar (ontem) de cenário e ética médica................
É possível que eu consiga acalmar um pouco essa turma hoje e amanhã. Tudo é possível. É possível que mande à puta que o pariu essa britadeira que não para de trabalhar embaixo da minha janela aqui do Hotel Mercure em BH!

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