domingo, 4 de abril de 2010

Desconversa FM

"Sei que é sonho,
Não porque da varanda atiro pérolas.
E a legião de famintos se engalfinha.
Não porque voa nosso jato
Roçando catedrais.
Mas porque na verdade não me queres mais.
Aliás, nunca na vida foste minha."

Chico Buarque, Sonhos, sonhos são.

Não ouço rádio há muitos anos. Meu carro nem sabe o que é uma estação de rádio. Só ouço os originais ou o que seleciono.
Os critérios de escolha dos discos de viagem passam a) pelas coisas novas que ando ouvindo; b) por velhas seleções que podem ser uma canção de afeto, uma antologia de autor ou uma antologia de gênero; e c) pelo perfil dos caronas. No caso, tenho viajado com 3 bailarinos, Laura e dois amigos.
Pensar em gravar alguma coisa pra Laura é sempre um desafio. Vivo disputando o ouvido dela com as canções do Ipod que ela mesmo seleciona. Ultimamente tenho me esforçado para mantê-la atenta. As meninas aprenderam a gostar de boa música por osmose. Nunca houve nenhum tipo de lição diária. Foram ouvindo o que eu e a mãe delas escutávamos.
Pra essa viagem, fiz uma antologia de canções dos balés do Grupo Corpo, uma seleção de músicas da Expedição Mário de Andrade (com a leitura emocionada d'O poeta come amendoim), e uma com canções clássicas do Uakti.
Mas o que mais me comoveu foi um cd que tinha feito já há algum tempo , uma seleção em que Chico Buarque canta suas próprias composições.
Diferente do compositor, acho que Chico desenvolveu uma forma de interpretar que foi apurando aos poucos e começou a se manifestar no início dos anos 80.
É bem verdade que antes de tudo, teve o Sinal Fechado, o disco de intérprete que Chico gravou canções alheias. Sempre tive prazer de ouvir o Copo vazio, o Cuidado com a outra, e o Sem compromisso. Tenho um certo apego por esse disco que não me permite fazer qualquer tipo de crítica azeda. Foi um bom companheiro, da categoria que quase furou na vitrola philips.
Mas voltando ao Chico intérprete de si mesmo, acho que a história começa no disco de1978, aquele que tinham 3 canções proibidas pela censura. Assim meu cd começa com Cálice. Chico, Milton e o MPB4 esbanjando voz e emoção. A segunda, do mesmo disco, é Tanto mar, um fado corrosivo e com letra atualizada porque a primeira não passou pela censura.
Do disco de 1980, Bastidores, talhada para a voz de Cauby, mas igualmente forte com Chico.
Depois veio o Almanaque, pra mim um divisor de águas pro Chico intérprete. Do Almanaque, eu tirei As vitrines e Tanto amar, ambas arrebatadoras na voz de seu autor.
Do disco de 1984, Tantas palavras, permeada pela sanfona lírica de Dominguinhos, nem sei o que dizer dessa canção de tanto que gosto.
Do Francisco, gravado em 1987, selecionei Ludo real e Lola. Esse é outro disco que a interpretação de Chico valoriza muito a composição.
Do Chico Buarque de 1989, reservei Trapaças e poderia ter feito o mesmo com Tanta saudade ou Valsa Brasileira, mas Trapaças teve pouca repercussão e tem uma letra dolorida e ardilosa.
Do Paratodos, a própria e De volta ao samba. Poderiam figurar desse disco, Outra noite, Biscate e Futuros amantes, mas não tinha jeito de encher o cd mais. O importante é perceber o crescimento do cantor, sem perda para o compositor, que foi ficando cada vez mais refinado.
Do disco As cidades, há muitas. Tive que ficar com Sonhos sonhos são e o Xote de navegação. Sonhos é uma coisa maravilhosa de se ouvir milhares de vezes e a cada uma, achar um detalhe diferente.
Do carioca, eu acho que Outros sonhos está muito bem representada. Esses sonhos também me são muito caros.
Pra finalizar, do relançado disco gravado com Enio Morricone, coloquei Samba e amore, cuja leveza é contraposta pelo arranjo pesado de Morricone.
E assim passam-se os kilômetros de chão da Serra do Capim. Rápidos e bem ouvidos.

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