domingo, 8 de janeiro de 2012

Plano de vôo

Deve ser lido escutando A linha e o linho, de Gilberto Gil, com Gil e Lenine e Doce presença, de Ivan e Vitor, na versão definitiva de Nana Caymmi.

Eram 6 ainda e nem tinha amanhecido, pegaram a estrada. Foram dar ao meio dia no Margarida Café em Paraty. Maria Martha logo reconheceu os dois e deixou de cantar canções banais para fazer só Gudin e Vanzolini, como só Maria sabe cantar. A única concessão foi Lola, uma canção dele que o Chico (o Buarque, não o Xavier) psicografou. Passaram a tarde no Margarida ouvindo Maria e tomando vinho. A mão esquerda de um estava invariavelmente ocupada com a mão direita do outro, usavam apenas a outra mão. Os olhos não se desviavam para lugar nenhum a não ser para os dois e brilhavam como faíscas em dia de ano novo. Voltaram bêbados e andaram bêbados e abraçados pelas pedras até uma pousada qualquer. -Tem vaga? Tinha. Passaram a noite se procurando como quem procura ser salvo.
Dia seguinte bem cedo pegaram o carro e foram pra Miracema. Miracema é lugar de rever amigos. Caminharam pela cidade como caminhava o menino, as mãos cada vez mais unidas, os corpos cada vez mais entregues. Quem visse de longe, parecia ver um. Caminharam pela praça, pelo jardim, pela casa onde ele nasceu, pelas casas velhas e tristes do centro. Casas que agora pareciam alegres só para iluminar para eles e por eles, serem iluminadas, como uma lamparina iluminando o breu.
Acordaram no dia seguinte em Buenos Aires. Ficaram caminhando pela Calle Florida, as mãos sempre juntas, passaram pela Lavalle para abastecer a bolsa de discos e filmes argentinos na loja Tango. Depois almoçaram em Puerto Madero na Cabaña Las Lilas. Foram caminhando pela cidade enquanto ele ensinava todos os tangos que aprendera a amar, começando pelo Inverno Portenho e passando por Moneda de cobre, Cada dia te extraño más e por aí.
Anoiteceram em Lisboa, não se sabe como, já agora caminhavam por Alfama procurando uma Tasca para ouvir um fado vadio. Um fado que pudesse significar todo aquele amor incontido, desnudo, rasgado, sem uma única concessão.

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