sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tomo y obligo






"Era assim, com essa ferocidade autodestrutiva com que tantos homens judeus de sua geração se matavam por suas famílias,  que meu pai se matava por minha mãe, por minha irmã Hanna e acima de tudo, por mim. Se ele vivia prisioneiro, eu haveria de voar: esse era seu sonho. O meu era o corolário do dele: ao me libertar, eu o libertaria - da ignorância, da exploração, do anonimato."


Phillip Roth, O complexo de Portnoy



Acordo.
Ouço tangos no voo 1703 que me leva pela segunda vez nesta mesma semana a São Paulo, dessa vez a Guarulhos. Enquanto leio Philip Roth no kindle, o excepcional uruguaio Tabare Leyton me manda o Tomo y obligo mais doído que já ouvi.  E Lídia Borda e Veronica Silva. E essa Orquesta Misteriosa que me persegue desde que cheguei de Buenos Aires.
Resisti o quanto pude ao kindle, mas o peso dos anos e dos papéis acabaram me levando a ele. Escolhi um Roth que não tinha lido ainda para ver se fidelizava mais rápido. Ninguém escapa a uma escolha como Roth: o kindle já está incorporado. Para fidelizar mais ainda, tento conter a ansiedade de só comprar o segundo quando acabar de ler o primeiro. Não vai demorar muito.
Meu sobrinho me manda uma foto do meu pai ao lado do velho Ford 29 que pertenceu à família.
O livro, a foto e o tango trazem meu pai de volta. Queria tê lo aqui comigo nesse voo que ele tanto gostava. Provavelmente meu pai se adaptaria rápido a esse ir e vir à São Paulo toda semana e nem reclamaria. 
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Mas não é desse pai que gostava da estrada que sinto falta.
Também não sinto falta  do homem honesto e trabalhador que varava madrugadas em caminhão e trator para construir o que não pode aproveitar.
Tão pouco sinto falta do pai que me ensinou com seus silêncios a gostar de boa música e poesia, ouvida preferencialmente alta nos domingos após a missa.
Muito menos do pai que me levava muito moleque ao cine XV para assistir às sessões de segunda-feira, quando se reprisava o filme do domingo.
O que costuma me fazer muita falta é de conversar um pouco com ele, de igual e desarmado. Isso que eu não vou ter nunca mais. O resto, a história conta.

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