domingo, 26 de junho de 2022

Meu pobre bicho de contas

"Foi uma noite de delícias fartíssimas. É horrivelmente vergonhoso pensar que dos 450 mil habitantes de Recife, só um punhadinho possa gozar tanta riqueza de sentimento, tanta vibração de beleza. Àquela hora, meia noite, a imensa poupulação trabalhadora dormia extenuada para acordar cedo hoje e trabalhar faminta....Mesmo se não houvesse tantas misérias tão graves, tão angustiosas, tão básicas, bastaria esse fato em demais triste de nem todo Mundo ter o direito de ouvir uma artista como Bidu para justificar uma revolução. Que não será a arte quando ela não for mais um odioso privilégio de classe? Que riqueza musical espantosa não se estraga para sempre no seio da massa, e como é absolutamente necessário que todo mundo ouça artistas como Bidu. No Teatro Santa Isabel, há uma placa de bronze com uma frase de Nabuco: "aqui vencemos a abolição". Mas não vi nenhum negro no recital. Os negros e os brancos pobres - o enorme povo - não entra ali. Para ele estão fechadas as portas de todos os altos bens da vida humana. Velho Nabuco, há muitas abolições a fazer ainda."

Rubem Braga, setembro de 1935.

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Da quimio e da radio, herdei alguns males que provavelmente não me livrarei nunca: a limitação da voz, o gosto azedo na boca após as refeições, e um edema de orofaringe que dificulta a passagem do alimento. Mas já posso cantar  um fado, o que é uma grande vantagem. Depois de muita insistência e paciência do Moreira, saiu um fado corrido, não muito corrido, mas ficou bonito. Parecendo fado mesmo. 

Bonito para mim obviamente, que só toco e canto para mim, com uma concessão exclusiva e especial para Laura e Luisa. Verdade é que ando me ouvindo com mais prazer. E recorro mais vezes ao violão para me ouvir.

Fora isso, tenho ouvido uma canção chamada The Captain, de Kasey Chambers, de quem nunca havia ouvido falar, mas ouvi no fim de um episódio da terceira temporada dos Sopranos e ficou grudada no ouvido. Milagres que só o Shazam oferece. 

É muito bom isso de descobrir uma canção. Os ouvidos exultam e parece que toda felicidade está ali e que ainda há esperança. Foi assim que eu descobri Coruja muda (Siba), Arrasta (Francisco el Hombre e Céu), Solidão (Sara Correia). E é assim que vai se desenhando mais uma canção de afeto. Que bom que elas nunca morrem.

É quase o mesmo prazer de descobrir um texto novo. Uma crônica do Braga ou do Maria. Por absoluta falta de tempo, estou dando um tempo para o livro de Karl Ove, mas estou usando pequenos intervalos para ler as crônicas do livro Os sabiás da crônica. Por enquanto, estou no Braga. E tirando o Almoço mineiro, que já li e ouvi diversas vezes, tudo é novo para mim.

Um comentário:

Silvia disse...

Ótimo te ver novamente aqui ! Ador 😘

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