terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Influências

" Perdi a conta do número de pessoas que já me perguntaram se li todos os livros da minha biblioteca. A pergunta é um clássico que separa quem lê de quem não lê: quem lê sabe que é impossível ler todos os livros, mas que não custa tentar, e que é fundamental tê-los por perto para uma emergência. Quem lê sabe que não existe a expressâo "muitos livros". Não há "muitos livros". O que há eventualmente, é pouco espaço."

Minha previdência privada são meus livros e espero que possa ler todos eles. Mas não posso afirmar com precisão que lerei. 

Nunca li, por exemplo, Eça de Queiroz (que falha(!) e ao mesmo tempo, é bom que ainda não tenha lido)), mas conheço bem Os Maias pela TV. Uma das coisas que a TV brasileira produziu e dão orgulho de ver. 

Menino, eu era aficcionado por quadrinhos. Colecionava as revistinhas o quanto podia comprar com minha parca semanada. Penso que minha bipolaridade tenha nascido ali. Ruim de bola, mal de relações, me escondia nas histórias que os quadrinhos contavam.

Adolescente, lia os livros que a escola mandava. Os primeiros livros que li por vontade própria foram livros de poetas: Drummond, Bandeira, Quintana Pessoa, Vinícius. Adorava (e até hoje gosto) de ler e ouvir os poetas. Era apaixonado por cronistas também, começando por Antonio Maria e Rubem Braga. E lembro de ter lido Leon Eliachar, da trilogia O homem ao zero, O homem ao quadrado e O homem ao cubo. Aquilo me divertia muito. E, com algum esforço, Machado e Dostoievski.

Meu divisor de águas para aprender e gostar de ler foi o Mineiro. Foi uma amigo e colega da escola médica que morava comigo e tinha uma auto disciplina muito grande para leitura. Lia de uma forma organizada, nunca deitado, e anotando tudo que achava relevante.  Eu herdei o gosto e os livros do Mineiro. Todos os livros da finada Editora Brasiliense passaram por mim. Foi uma época que li Fante, Bukowski, Salinger, Leminski (como poeta, tradutor e voz dos beats), Burroughs e outros. Foi também através do Mineiro que eu virei rato dos sebos dos centros do Rio. Boa parte da minha biblioteca foi comprada na Beringela. Houve um tempo em que eu ia lá no Marquês do Herval todo dia.

Mais a frente, descobri os autores brasileiros e fiz uma festa com Rubem Fonseca, Carlos Heitor Cony, Maria Alice Barroso (correspondente do meu avô), Millor e Sérgio Santanna. Esgotei todos eles com uma compulsão muito grande. Era tratamento para minha depressão. Até então não conhecia os inibidores de recaptação da serotonina.

Nunca vou conseguir listar minhas leituras completas aqui. mas o outro divisor de águas literárias na minha vida foi a FLIP. A FLIP me apresentou a vários autores, dos quais posso citar com alguma ênfase, Antonio Lobo Antunes, José Saramago, Valter Hugo Mãe, Cristopher Hitchens, Jim Dodge. E, da última, Benjamin Labatut e Anne Ernaux. 

Saramago foi um alumbramento. Guardo com muito cuidado o DVD (quem se lembra desses disquinhos?) do documentário que conta a história dele com Pilar del Rio, comprado na FLIP de 2017.

Nunca gostei muito de documentários, seleciono-os a dedo. Manoel de Barros, só 10% é mentira, foi uma honrosa exceção. Mas foi muito da minha paixão pelo poeta Manoel.

Pois bem, adorei José e Pilar. É uma linda história de amor, mas também conta um pouco da biografia dos dois. Saramago descobriu Pilar as 63 anos e viveu com ela até sua morte em 2010. É bonito de ver. Estava no plástico até o último domingo. Direto para o coração.

A minha história de leitor guarda muito das boas influências que tive. Tudo que eu li foi recomendado. Antigamente tinha um site chamado No mínimo que tinha ótimas resenhas sobre livros. Paulo Roberto Pires, Arthur Dapieve, Aldir Blanc, Tárik de Souza, são muitos. Assino jornais para ler sobre livros. E não posso de forma alguma esquecer de Cora Ronai, de quem roubei o primeiro parágrafo desse texto.

Hoje o Mundo parece mudado. Os livros estão sendo consumidos pelo celular e pelo streaming. Não conheço mais os grandes leitores. Em parte, por óbvio, estou velho. Mas não há como negar o desinteresse coletivo desanimador.


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