segunda-feira, 19 de maio de 2008

Eu também já fui brasileiro

Eu também já fui brasileiro moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam
.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho, minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

Carlos Drummond de Andrade
Alguma Poesia (1930)

Nenhum comentário:

O amor acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos p...