quarta-feira, 9 de julho de 2008

A melhor decisão


Caro Eugênio,

Respondo pelo blog seu torpedo, devido ao pouco espaço que o celular me permite.

Ultimamente, Eugênio, temos nos comunicado somente por torpedos, uma forma pouco convencional de conversar entre irmãos. Decidi que hoje respondo pelo blog, o que não deixa de ser também uma forma inusitada, mas entendo ser mais possível e talvez nos dê a oportunidade de nos rever um pouco (ou que eu nos reveja). Sei que possivelmente você nunca lerá esse texto, mas esse fato também está sendo considerado, não tenho qualquer espectativa com relação à possibilidade de que tudo isso se torne uma remissão para nossos pecados, é só uma postagem .Sei também dos tempos difíceis que atravessamos, das superações que pesam sobre nós e da sua maneira de me enxergar ausente desse contexto, de me ver sempre à distância, participando pouco do nosso sofrimento. É preciso que antes de mais nada, você saiba que sofremos em sintonia fina como devem sofrer os irmãos, que a distância jamais permitiu que eu ficasse longe dos nossos abismos.

Seu torpedo é curto: "Vou fazer a cirurgia de estômago com o Dr Renan, já estou fazendo os exames. Você me ajuda com a autorização?" Posso concluir que: 1) a cirurgia já está decidida; 2) a decisão foi tomada de pronto, já que ninguém na familia comentou o assunto nos últimos meses; 3) você não quer minha opinião médica, apenas ajuda para autorização. Considerando tudo isso, tudo que pondero daqui pra frente é conjectura inútil, que satisfaz apenas a minha vontade de resposta.

Que somos dois obesos é fato, seu IMC deve estar beirando os 40, um pouco maior do que o meu. Que você tem co-morbidades que facilmente complementariam o protocolo de exigência clínica da cirurgia, também não há dúvida.

Mas que me seja permitido considerar a vida sem estômago. Das pessoas que conheço que fizeram a cirurgia, Eugênio, nenhuma tem o semblante feliz de antes, e acredito que são raras aquelas que, perguntadas sobre sua satisfação com o procedimento, se declarem satisfeitas. Com todo o peso das adversidades, certamente será mais um a perturbar sua rotina, você terá que se despojar das vontades gustativas mais agudas que possam existir. No lugar daquele um, será um décimo daquele um, suficiente para encher seu estômago curtinho.

Hoje, o que eu tenho visto muito são as limitações que o estômago mutilado impoem aos nossos sensores glutões: nunca mais um prato de comida autêntico, arroz, feijão, bife acebolado, batata, comidinhas que a Dio sabe fazer muito bem. E sobremesas crocantes, geladas, implorando para serem comidas.

Brincadeiras a parte, o ministério da saúde exige que você cumpra um protocolo antes de aprovar o procedimento. Uma das exigências é que se tenha tentado o tratamento clínico por pelo menos, dois anos. Ora, eu não me lembro de nenhum esforço seu (nem meu) para reverter esse quadro. Ao contrário, as adversidades têm sido um prato cheio para nossos pratos fartos.

Houve um tempo em que éramos bem magrinhos e comíamos muito. Hoje comemos menos, mas o peso só aumenta. É a dura realidade, Eugênio! Mas será que cortar um pedaço de estômago vai nos tornar mais felizes? Eu já me fiz esse questionamento muitas vezes e só consigo chegar à conclusão de que só vai agregar mais um peso: o peso irreversível da saciedade involuntária.

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