sábado, 16 de maio de 2009

Interior

A internet funciona na manivela.
Nem ônibus, nem barca, só dá pra andar de caminhão.
Há um cheiro doce de limpeza se esparramando pela casa.
Da janela lateral, dá pra ver uma igreja.
Pessoas que nem imagino, me cumprimentam solenemente.
Um carro passa noticiando enterro e ofertas de repolho e alface.
Ontem a noite, fui com Gisele e Alexandre no Bunda de Fora.
Só ando de bermuda, havaiana e camisa velha.
As crianças estão por perto.
Não há a menor dúvida, estou em Miracema.


Que mais se pode esperar de uma cidadezinha cujo interior está dentro de você e é só isso que ela oferece?
Vontade de abraçar o passado e me enfiar de novo nas cobertas que a mesma Diô preparava toda noite pra gente dormir na Rua das Flores.
De ir a pé na casa do Tio Lico chupar jaboticaba fresquinha e ouvir longe a Tia Zezé tocar uma berceuse ao piano.
De ter uma das longas conversas que tive com minha Tia Elice, minha tia bisavó, que aos 90, perdera a memória anterógrada, mas se lembrava com detalhes dos tempos de preceptora no Colégio de Pádua.
De ter roubado a Elisa, minha primeira namorada firme (na época em que se namorava firme), do Juninho da Dona Leni, ao som indubitável de Namoradinha de um amigo meu.
De escrever poesia com a pureza de um menino que se achava poeta.

Eu fui um menino feliz, ainda que fosse um perna de pau inconteste nos jogos de futebol da Rua do Alfredo. Disputava com Flávio, outro pereba, a condição de reserva ou gandula.

Hoje, que posso crer em tudo, em nada mais creio. Os filhos partem do mesmo jeito que parti um dia. Eu fui esse filho que partiu. Esse que está vendo meus filhos partirem.

No final, a única coisa que sobra é música. Essa não parte nunca.

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