quarta-feira, 10 de junho de 2009

Acerto de contas

Estive com Regina nas Barcas ontem e a história que conto interessa a muito poucos, mas está viva em mim ainda. Antes, advirto que minhas crônicas confessionais quase sempre drenam numa pieguice indefectível e o risco de que eu as delete rapidamente é muito alto. Fato é que no trajeto Praça XV- Niterói, nesses 12 minutos de viagem, acertei minhas contas com Regina.
Nos meus anos 20, na primeira metade dos anos 80, Regina me roubou (e eu dela), 3 anos de vida. Três anos dos meus melhores. Nada que tenhamos roubado um do outro de afeto e consideração foi perdido. Foi um roubo honesto!
Eu já morava no mesmo apartamento em que moro no Ingá, estava na escola médica e Regina ainda morava em Miracema. Eu a vi num comício e foi meio que amor a primeira vista. Lembro que ela vestia uma camisa rosa e estava de gesso no braço. O rosa e o gesso enterneceram-me. Poucos homens terão esse privilégio combinado: comício de cidadezinha de interior, moreninha brejeira de gesso e camisa rosa e por aí vai. Procurei saber quem era e daí pra frente não me lembro de como começou. Pouco tempo depois, Regina veio para Niterói e construimos nossa vida de 3 anos em Niterói.
Vinicius dizia que seu sonho era morar com as seis mulheres que amara. Acho que todo homem alimenta esse sonho. De alguma forma, houve um tempo em que elas levaram algo de você que permanece. Intacto! Mas de Regina, faltava o fio que trazia de volta aquele tempo. Já havia encontrado com ela uma vez na mesma barca, mas tinha sido um estranhamento. Eu estava bêbado, ela fugidia. Não deu certo. Mas ontem deu.
Continua a mesma. A idade parece não ter lhe afetado. Não é mais a menina de rosa de gesso no braço, mas ainda sorri como antes e debocha da vida do mesmo jeito com que sempre debochou.
Naqueles anos 80, eu era um estudante fudido: não tinha carro, nem dinheiro, nem responsabilidades. Vivia a andar pelas lojas de disco da 7 de setembro entre uma aula e outra na Santa Casa, era um frequentador assíduo do seis e meia da Sala Funarte, quando a Sala Funarte ainda era na Araújo Porto Alegre. Íamos ao Fogão de Lenha da Moreira César comer carne e ao Hora Extra da Gavião Peixoto, comer pizza. Todo dinheiro extra vinha de um plantão que dávamos em Rio do Ouro aos sábados. Um salário mínimo e a gente se achava milionário. Regina não. Veio pra cá para trabalhar em loja e já sabia ganhar dinheiro desde cedo. Numa época em que a virgindade ainda era um tabu e Deus ainda castigava os pecadores, Regina já era uma mulher independente, e não raro, pagava a conta, outro contra-senso daquele tempo.
Nossos amigos eram o Mineiro (morava comigo, era colega da faculdade, suicidou-se), o Rubens (amigo querido, achei-o na lista telefônica em Osasco muitos anos depois), Ricardo Seixas (sumiu no Mundo, encontrei-o há muito tempo atrás em Santa Cruz da Serra e mais não sei), Rodrigo Siri (casou-se, teve filhos, mora em Miracema, mas quase não o vejo) e Alexandre, que é o único que continua presente na minha vida. Bebíamos vinho cantina de São Roque tinto licoroso e quando acordávamos, até o suor ficava roxo.

Regina foi uma festa de 3 anos. Era uma mulher fácil de lidar, disposta a aprender, e tinha um todo muito bonito: pernas, peitos, rosto, cabelos lisos e curtos, tudo muito bem combinado. E uma inteligência e sensibilidade raras para alguém que acabou de chegar da roça. Eu pelo menos, quando cheguei da roça, levei anos para me adaptar. Mas Regina não. Parecia que aquilo tudo (eu inclusive) já era dela.
Praticamente moramos juntos. Naquela época, meus pais vinham muito a Niterói e Regina ficava comigo todo o tempo em que eles não estavam.
Passamos 3 anos conversando, ouvindo, aprendendo, dividindo tudo. Amando. Um amor muito puro, que vinha das coisas mais sinceras e profundas de dentro de nós. Não lembro como começou, não lembro como terminou. Só não consigo me esquecer do quanto ficou em mim.
Foi mais ou menos o que eu disse a ela ontem nos 12 minutos de barca. A vida passa muito rápido e não há alumbramento mais doce do que o resgate de uma boa lembrança.

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