sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O amor bateu na porta




"Contemplo agora
o leito que vazio
se contempla.
Contemplo agora
o leito que vazio
em mim se estende
e se me aproximo
existe qualquer coisa
trescalando aroma em mim.

Onde o teu corpo, amante-amiga,
onde o carinho
que compungido em recebia
e aquela forma que tranquila
ainda ontem descobrias?

Agora eu te diria
o quanto te agradeço o corpo teu
se o me dás ou se o me tomas,
e o recolhendo em mim,
em mim me vais colhendo,
como eu que tomo em ti
o que de ti me vais doando.

Eu muito te agradeço este teu corpo
quando nos leitos o estendias e o me davas,
às vezes, temerosa,
e, ofegante, às vezes,
e te agradeço ainda aquele instante (o percebeste)
em que extasiado ao contemplá-lo
em mim me conturbei– (o percebeste)
me aguardaste
e nos olhos te guardei.

Eu muito te agradeço, amante-amiga,
este teu corpo que com fúria eu possuía,
corpo que eu mais amava
quanto mais o via,
pequeno e manso enigma
que eu decifrei como podia.

Agora eu te diria
o que não soubeste
e nunca o saberias:
o que naquele instante eu te ofertava
nunca a mim eu já doara
e nunca o doaria.
Nele eu fui pousar
quando cansado e dúbio,
dele eu fui tomar
quando ofegante e rubro,
dele e nele eu revivia
e foi por ele que eu sentia solidão,
e o amor
que em mim havia.

Teu corpo quando amava
me excedia,
e me excedendo
com o amor foi me envolvendo,
e nesse amor absorvente
de tal forma absorvendo,
que agora que o não tenho
não sei como permaneço nesta ausência
em que tuas formas se envolveram,
tanto o amor
e a forma do teu corpo
no meu corpo se inscreveram."

Afonso Romano de Santana

O assunto parece estar esgotado. Afonso Romano tratou muito bem dele, assim como milhares de outros. Mas é preciso esclarecer sempre que o amor não morreu. O amor dos corpos entregues, da profusão de cheiros e líquidos, da pele confundindo com a pele. O amor que se dá ao tempo, que não tem pressa nenhuma, em que não há qualquer outro significado no Mundo naquele momento, senão amar. E essa coisa de "contemplar agora o leito que vazio se contempla", que parece ser o amor depois do amor. Pode ser que o amor tenha deixado marcas ali , pode ser que os cheiros ainda inebriem o ambiente, de tal forma que quarto, cama e telefone se tornaram ingredientes afrodisíacos para a alma. Amor sem urgência e absolutamente necessário. Para esse amor, é preciso reservar no mínimo, uma tarde. É preciso que a televisão esteja ligada num programa inútil. É preciso que a embriaguez não se dê pelo vinho, embora o vinho possa até ser bem vindo. É preciso que seja único, porque raramente acontece mais de uma vez. Amor que se consolida depois de anos de estudo dos corpos e que melhora a cada tempo de amar. Amor que ri exaltado de si mesmo, que se farta de meninice. Amor de uma entrega absurda e irrestrita, de parecer que o planeta inteiro parou por uma hora, parou por dez minutos, parou pelo resto da vida. Amor em que tudo no mais, é menor.

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