sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Traduzir-se


"Uma parte de mim pesa e pondera.
Outra parte delira."

Ferreira Gullar.
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A parte de mim que pesa e pondera, usualmente a parte mais constante, é um sujeito entediado ortodoxo. Prefiro a parte que delira. Infelizmente não sou eu quem define de que lado estou.
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O entediado ortodoxo acha que só vai à praia por causa das filhas. E aí quando o lugar calmo, de águas mansas, longe da euforia carnavalesca, não está agradando nem um pouco às filhas, o entediado ortodoxo se fecha num vazio azedo e se pergunta o que está fazendo ali.
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O entediado ortodoxo não percebe que há uma mulher à sua espera, coisa rara nesses últimos anos de carnaval, alguém que está ali pra cuidar dele e pouco faz pra enaltecer esse momento.
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O entediado ortodoxo dificilmente antevê que, expremendo bem, as filhas acabam gostando, porque a convivência é saudável e o lugar é lindo, e não há como não gostar dali.
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O entediado ortodoxo não enxerga bem o calor dos amigos, a constituição de uma familia master, as brincadeiras de Babu, o mascote da familia, a preocupação de cada um com o bem estar do outro, enfim, uma oportunidade quase única de estar entre gente de bem, que está ali apenas para dar e receber afeto.
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O entediado ortodoxo ainda não percebeu que o dono da pousada é um contista de cordel e tem histórias na manga pra contar de fazer esquecer que o ar condicionado é meio precário, que só se trocam as toalhas a cada 3 dias e que a piscina da pousada nunca está limpa (entediados ortodoxos adoram piscina porque não há areia para sujar os pés).
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Mas Cumuru é um convite ao delírio. Pra comer, tem o Caldeirão da Isabel e a Batataria, onde se pode comer, respectivamente um ótimo budião com molho de camarões e uma suculenta batata recheada. E ainda inventaram de combinar com Dona Edileuza, a cozinheira da pousada, fazer uma lagosta, que ficou assim, na categoria de comer ajoelhado.
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Mas as praias é que são a maior atração. Começamos pela praia de Cumuru, em frente à pousada, de águas mornas e maré baixa, de forma que se podia caminhar muitos metros sem cobrir o joelho.
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Dia seguinte, fomos à praia do Moreira, isolada, sem a logística do pão e da água, mas de um encanto natural acolhedor. Ficamos nós e um pessoal de Vila Velha só, conversando e tomando cerveja como se fôssemos velhos conhecidos a dividir os tira-gostos e a bebida.
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Depois, à Baía do Caí, já um lugar mais estruturado, mas igualmente isolado e bonito.
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No terceiro dia, pegamos um barco e fomos a Corumbau, a praia mais estonteante de todas. O passeio todo foi muito bonito.
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O entediado ortodoxo chegou ontem de noite estenuado depois de 12 horas de viagem ininterruptas e pode exercitar sem cerimônias seu velho azedume: brigou com a mãe e com a filha, depois dormiu profundamente, entendendo que a gente se acostuma a tudo, até a ser um entediado ortodoxo.
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De manhã, fiz a barba de 7 dias, levei a S10 pra lavar e peguei pela primeira vez num jornal e descobri que o Fluminense perdeu a disputa pela semi-final, Pena Branca morreu (mais um) e de resto, nada de novo.
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Tentei dar andamento a um projeto de trabalho que ficou mau combinado, liguei pro terapeuta pra transferir a sessão pras 19h de segunda, porque 18 tem reunião da vascular. Cheguei, estou vivo!!!
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Sobre Pena Branca, Artur Dapieve escreveu uma crônica muito bonita no Globo de hoje. Nem parece o Dapieve roqueiro incorrigível. Parece mais um crítico da boa música caipira.

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