quarta-feira, 14 de julho de 2010

O beco

Que importa a paisagem,
a Glória, a baía,
a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

Manuel Bandeira.

Todo dia levantar e agradecer: não tenho sido mais do que um sobrevivente nos últimos anos. Às vezes dá vontade de fazer como Drummond e pedir perdão por ser o sobrevivente.

Há sim, é claro, Laura, Luisa e Chicó, que não me deixam desistir assim tão fácil. Laura e nossas solidões compartilhadas. Nossa mútua compreensão. Nossa desorganização caseira.

E há o trabalho. A crença de que se colhe e planta e se renova a cada dia. Mesmo nos dias em que se tem que ir a Nova Iguaçu e ficar três horas em pé palestrando. Há um grupo fechado comigo que não deixa a peteca cair. Não é um costurado político espúrio, mas uma troca de passes em que cada um assume um papel no jogo. Crescemos juntos, quando ganha um, ganham todos.

E há uns poucos amigos que estão sempre me esperando nas horas previstas, sempre dispostos a uma boa conversa. A vida foi passando e eles foram se reduzindo a muito poucos. Mas os poucos são de tamanha importância que é melhor que sejam só eles.

E há livros e discos cada vez mais espalhados pela casa, obstruindo passagens, atropelando espaços outrora vazios e calmos. A função deles é perturbar. Enquanto existirem leitura e canção pra perturbar, haverá uma mínima esperança.

E há finalmente os projetos. Os projetos se multiplicam a medida que o tempo passa e os transforma em grandes frustrações. Há uma chuva fininha caindo na Baía. De que me serve?

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