terça-feira, 17 de agosto de 2010

Songs for Lulu


Quem foi a mão invisível
que traçou esse arabesco
de flor junto ao pudim?
quem tem auréola? quem não a tem,
pois que sendo de ouro,
cuida logo de reparti-la
e se pensa melhor faz?
quem senta do lado esquerdo
assim curvada? que branca,
mais que branca mais que branca
tarja de cabelos brancos,
retira a cor das laranjas
anula o pó do café.
cassa o brilho aos serafins?
quem é toda luz e é branca?

Carlos Drummond de Andrade

Quando não tive ninguém mais para recorrer, quando fugiram de mim as últimas espectativas, quando destruíram meu projeto de vida, foi minha Tia que me acolheu. Essa mesmo que acaba de morrer. Achei que Drummond e Rufus poderiam realçar a intensidade dessa perda irreparável. Perda insubstituível. Como eles, foi como perder uma mãe.
Agora que não terei mais a sua infinita generosidade para me acolher. Agora que nada mais posso fazer para devolver a ela o tanto que fez por mim. Agora que me sinto mais perdido do que normalmente estou, como achar de novo um significado para a fé no Mundo? Há justiça nos desígnios de Deus, se há um Deus?
Que importam essas elucubrações às seis e meia da tarde no Catamarã Gávea 2, se minha Tia morre a poucos passos de mim?
Recordo o tempo em que minha cegueira me levava da Praia das Flechas ao final da Praia de Icaraí e de lá à casa da minha Tia. Era ela que me alimentava. De comida e afeto. Era ela que não permitia que eu deixasse me levar por meus abismos. Que me amparava.
Agora que não mais a tenho, procuro desesperadamente por suas palavras de carinho, que nos últimos tempos se transformaram em pequenos escritos. Reli todos os seus cadernos atrás dos afagos. dos conselhos, das recomendações.
Quis ficar ao lado dela o tempo que pudesse para me despedir. Enquanto existiu soube ser mãe, amiga, protetora. Vai faltar muito mais do que esse vazio imenso que agora mora em mim.

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