quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Batidas na porta da frente


"Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."

Antônio Maria, Oração

Demorei a acordar dos 50. Demorei a perceber que logo as coisas voltam pro seu devido lugar e Odete Lima é apenas um sonho distante. Queria prolongar mais aquele estado de coisas. Confesso que até ontem ainda me imaginei ali com meus velhos amigos.
A transição foi árdua. Desde ontem que não há canção que me acalente. Não passei no Cláudio nem no Arlequim do Paço, com o sentimento de que não há nada mais a procurar. Me emocionei escrevendo dedicatórias no livro como se ainda estivesse no transe. Devo ter escrito muitas bobagens. Mas era tudo verdade.
Hoje de manhã voltou esse cansaço de tudo.
De hoje a domingo estarei em Búzios. Trabalhando. Longe do meu aquário e dos meus amigos, o trabalho rende pouco.
Vontade de escrever esse texto inútil nem sei pra que. Lá em Sidrolândia, no mais longínquo Mato Grosso, alguém que cuida de mim há muitos anos, ficará mais uma vez revoltada com essa melancolia repentina.

3 comentários:

Anônimo disse...

Retiro forçado na independência (de quem mesmo?) só podia mesmo acabar em melancolia. Espera passar as rezas monótonas e volta pras águas mansas (embora geladas) do seu aquário. Cercado de quem te respeita, te gosta e te admira. Daí mais um cadinho, vai comemorar os 10 anos da sua copiazinha e rever Odete Lima em toda sua glória. Viaje com os amigos de infância e cante suas modas. Pronto, já vai a melancolia pro ralo. Graças a Deus! Bjs. Renata

Ti disse...

Uma pena que eu não possa tb estar ai para ajudar a te tirar da melancolia mas devia se orgulhar muito dos teus amigos, isso é coisa rara hoje em dia . bjus

Francisco Lima disse...

Obrigado às duas por terem chegado ao fim desse texto chato, que só será mantido no blog por conta dos comentários e da Oração de Antonio Maria. Bjs

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Aceitar o castigo imerecido Não por faqueza, mas por altivez No tormento mais fundo, o teu gemido Trocar um grito de ódio a quem o fez As de...