quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Momento numa cantina

"Eu não devia te dizer
Mas essa Lua
Mas esse conhaque
Botam a gente comovido como o diabo."

Drummond, Poema de sete faces

É só uma tentativa de escrever, pois trata de um texto que não pode ser escrito. Trata de um texto que só pode ser vivido.
Por um momento, os dois deixaram os receios de lado, desataram os nós, esqueceram as angústias, e resolveram ser apenas um. Um de dois que se falavam por olhos, bocas, mãos, gestos e palavras.
O condão de falar pelos olhos só é facultado aos loucos de amor. Para quem não experimentou, é como se ver pelos olhos do amor e não ser dono dos próprios olhos. É verso molhado, que remete à orvalho, cachoeira, riacho, brisa do mar. Não pode ser escrito. Não há descrição para a palavra olhada. E, no entanto, não há declaração mais pungente, nem entrega mais intensa. Dia desses num outro momento num café, a garçonete não resistiu à intensidade dos olhos e ficou tão comovida, que ofereceu um chocolate. Cortesia de quem sabe ler dois olhos entregues.
E houve o vinho, o violão que tocava aquela canção do Danilo, O bem e o mal (eu guardo em mim dois corações...), e a noite niteroiense parecia ser só de dois.
Traduzir o amor (?), nem Bandeira, nem Drummond, nem Vinícius, nem Cecília. O amor daquela forma pura e clara é intraduzível. Só posso dizer que tudo que sei de felicidade compartilhada, de paixão a flor da pele, de vontade de morrer para guardar e ao mesmo tempo de viver cada minuto, eu vivi ali, nas horas eternas daquela cantina.

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