sábado, 21 de janeiro de 2012

Inacabados

Vontade de escrever bobagens não me falta, o que tem faltado é tempo. Muito para o trabalho e o que é possível para o amor. Começo os textos e não consigo terminar. Como há alguma bobagem inconclusa, resolvi fazer um diário delas.

18/01/12 (noite) - O quarto mal amado
O amor comeu meu nome. Minha identidade. Minha vontade de rever os amigos. De voltar pra Miracema. O amor veio e levou meu projeto de vida. A Barca Martim Afonso, a Rua do Rosário. As roletas travadas para minha segurança. As definições de vírus. O amor comeu minha solitude, meu ócio, minha cadeira de balanço. O amor diminuiu meu espaço na cama, comeu meu travesseiro sobressalente, minha caixa de chocolates, minha vontade de morrer.
João Francisco de Melo Cabral.

19/01/12 (madrugada, uma e cinco) - Tão tarde e nem sinal

Tão tarde e nem sinal
Sequer dela chegar
Por que tanta demora
Tanta porque será
Eu já nem vejo mais a hora
De minha sinhora abraça
Onde anda Maria?
Onde anda meu amor?
Já se foi o dia
E ela não chegou
Onde anda Maria?
Onde anda meu amor?
Paciência meu amigo
cabou-se a demora
Veja na ponta do vermelho
Quem vai chegando agora
Não, não sou Maria
Não pode ela vir
Escreveu uma carta
E mandou por mim
E agora comé, que vamos nós fazer
Anarfabeto que nós somo
Ninguém há de saber lê
Chama a prefessora
tá lá na cunzinha
Chama Maria Helena
Chama ela pra fora
Chama a prefessora
Chama sem demora

Elomar Figueira de Melo

Sinto-me como Bandeira no pneumotórax: a única coisa a fazer era para ele, tocar um tango argentino. Para mim, uma cantiga de Elomar. As cantigas de Elomar, principalmente essas que têm uma melancolia medieval, penetram coração adentro como se fossem stents coronarianos. Tão tarde e nem sinal é de cortar fundo.
Esses dias têm sido levados por uma mudança profunda na minha rotina. Essa madrugada por exemplo, acordei a uma e fui fazer uma seleção pessoal do Geraldo Azevedo para o amor. Tudo porque logo mais a gente vai no Rival assistir o Geraldo.
Ouvi muito Geraldo Azevedo nos anos 80. Alguns discos dele, como Inclinações Musicais (1981), Bicho de 7 cabeças(1979) e Tempo tempero (1984) quase furaram na vitrolinha Philips, principalmente o primeiro. Depois Geraldo foi sumindo, mas não deixei de ouvir.
Minha seleção, obviamente, começa com Dia branco. Ainda é uma declaração de amor atual e delicada. Toquei muito essa modinha fácil para minhas limitações de trovador.
Depois vem a obra prima Você se lembra. Cinematográfica, também uma canção de amor irretocável.
E aí Chorando e cantando, se tivesse que escolher uma do Geraldo, seria essa. Ainda mais que começa com "Quando fevereiro chegar..." e já vai renovando todas as minhas esperanças para fevereiro. O resto da seleção porque o texto acaba aqui: Francisco, Francisco, O charme das canções, Bicho de sete cabeças, O ciúme, Táxi lunar, Barcarola do São Francisco, Eternamente (com Geraldo Maia), Passarinho solto, Canta passarinho, Menina do Lido, O princípio do prazer, Petrolina e Juazeiro, A cara de Manu, Todo jeito ela tem e Canção da despedida.
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20/01/12 (era pra ter sido ontem no final da noite) - nem foi um show tão maravilhoso, Geraldo abusou da guitarra em detrimento da acústica, o Rival parece cada vez mais se expremer em mesas contíguas, mas foi o nosso primeiro. E teve um Se você vier pro que der e vier... (Dia Branco) muito beijado, molhado, melado, de fazer inveja ao casalzinho comportado que sentou à nossa frente, de acender a platéia, de pedir bis. Mais, meu amor, eu quero é mais.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um poema do Fauzi pra começar o dia

"Eu vou te contar que você não me conhece.
E eu tenho que gritar isso, porque você está surda e não me ouve.
A sedução me escraviza a você.
Ao fim de tudo você permanece comigo, mas presa ao que eu criei e não à mim.
E quanto mais falo sobre uma verdade inteira um abismo maior nos separa.
Você não tem um nome , eu tenho, você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções.
Mas a mentira da aparência do que eu sou e a mentira da aparência do que você é.
Por que eu, eu não sou o meu nome e você não é ninguêm.
O jogo perigoso que eu pratico aqui.
Ele busca chegar ao limite possível de aproximação.
Através da aceitação da distância e do reconhecimento dela.
Entre eu e você existe a notícia.
Eu me dispo da notícia e a minha nudez parada te denuncia e te espelha.
Eu me relato, tu me deladas, eu vos acuso o confesso por nós.
Só assim me livro das palavras com as quais você me veste."

Fauzi Arap

Cartas do coração

“Vós que vireis na crista da onda em que nos afogamos, quando falardes de nossas fraquezas, pensai, antes, nos tempos sombrios a que haveis escapado.”

Bertold Brecht

Tantas veces me mataron,
tantas veces me morí,
sin embargo estoy aquí
resucitando.
Gracias doy a la desgracia
y a la mano con puñal,
porque me mató tan mal,
y seguí cantando.

Maria Elena Walsh

Sou do tempo em que se escreviam cartas. As redes sociais acabaram por tirar as cartas de circulação, mas até há bem pouco tempo, nem conhecia as redes sociais e escrevia e recebia cartas. Achei uma ontem por acaso procurando um documento. Era 2003 e não era uma carta de amor, embora tenha sido escrita pelo amor. Em 2003, eu estava no olho do furacão (é clichê, mas não encontro outra). Faltava paz, faltava saúde, faltava dinheiro, faltava humanidade. A carta expunha os ossos fraturados, o sangue coagulando, a dor. E a dificuldade de fechar o mês sem dívida, sem sossego, sem parada. Deu um gelo de não conseguir dormir.
Quando penso naqueles anos duros, não consigo imaginar como cheguei aqui hoje. Todos os indicadores estavam contra mim. Acho que foram meus filhos, uma combinação rala de amigos fiéis e um amor amigo que me escrevia cartas.
E a paz, essa do Gil e do Donato, só invadiu meu coração em 2011. Antes era obtida a fórceps, ao uso rotineiro dos inibidores da recaptação de serotonina (e um terapeuta meio sádico que testava tudo quanto era droga) e todas as canções de afeto que ouvi.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Lola

Sabia
Gosto de você chegar assim
Arrancando páginas dentro de mim
Desde o primeiro dia

Sabia
Me apagando filmes geniais
Rebobinando o século
Meus velhos carnavais
Minha melancolia

Sabia
Que você ia trazer seus instrumentos
E invadir minha cabeça
Onde um dia tocava uma orquestra
Pra companhia dançar

Sabia
Que ia acontecer você, um dia
E claro que já não me valeria nada
Tudo o que eu sabia
Um dia

Chico Buarque

Que tarde foi essa? Quando, nesses 50 anos, uma tarde como essa? Que cheiros aqueles? Será que Deus me deu um amor porque eu mereci, como no poema?

Cheguei ao nosso lugar de hoje (que lugar foi aquele escolhido tão por acaso?), triste de ser apenas uma tarde, de saber que de noite, me faltaria de novo. Mas você logo preencheu todos os meus vazios, iluminou aquele breu que ficou da noite mal dormida longe dos seus braços, e tudo se transformou em corpo, cheiro e amor.

Uma tarde para não esquecer nunca, pra contar para os netos um dia, pra inveja dos tristes, pra ter vontade de viver mais mil anos só pra te fazer feliz, só pra ver seu riso frouxo e aquele olhar de ternura dentro dos seus olhos refletidos nos meus.

E de repetir mil vezes para ficar muito claro e para que o Mundo saiba: vem logo pra mim, porque tudo perde o sentido quando você está longe.


domingo, 8 de janeiro de 2012

Plano de vôo

Deve ser lido escutando A linha e o linho, de Gilberto Gil, com Gil e Lenine e Doce presença, de Ivan e Vitor, na versão definitiva de Nana Caymmi.

Eram 6 ainda e nem tinha amanhecido, pegaram a estrada. Foram dar ao meio dia no Margarida Café em Paraty. Maria Martha logo reconheceu os dois e deixou de cantar canções banais para fazer só Gudin e Vanzolini, como só Maria sabe cantar. A única concessão foi Lola, uma canção dele que o Chico (o Buarque, não o Xavier) psicografou. Passaram a tarde no Margarida ouvindo Maria e tomando vinho. A mão esquerda de um estava invariavelmente ocupada com a mão direita do outro, usavam apenas a outra mão. Os olhos não se desviavam para lugar nenhum a não ser para os dois e brilhavam como faíscas em dia de ano novo. Voltaram bêbados e andaram bêbados e abraçados pelas pedras até uma pousada qualquer. -Tem vaga? Tinha. Passaram a noite se procurando como quem procura ser salvo.
Dia seguinte bem cedo pegaram o carro e foram pra Miracema. Miracema é lugar de rever amigos. Caminharam pela cidade como caminhava o menino, as mãos cada vez mais unidas, os corpos cada vez mais entregues. Quem visse de longe, parecia ver um. Caminharam pela praça, pelo jardim, pela casa onde ele nasceu, pelas casas velhas e tristes do centro. Casas que agora pareciam alegres só para iluminar para eles e por eles, serem iluminadas, como uma lamparina iluminando o breu.
Acordaram no dia seguinte em Buenos Aires. Ficaram caminhando pela Calle Florida, as mãos sempre juntas, passaram pela Lavalle para abastecer a bolsa de discos e filmes argentinos na loja Tango. Depois almoçaram em Puerto Madero na Cabaña Las Lilas. Foram caminhando pela cidade enquanto ele ensinava todos os tangos que aprendera a amar, começando pelo Inverno Portenho e passando por Moneda de cobre, Cada dia te extraño más e por aí.
Anoiteceram em Lisboa, não se sabe como, já agora caminhavam por Alfama procurando uma Tasca para ouvir um fado vadio. Um fado que pudesse significar todo aquele amor incontido, desnudo, rasgado, sem uma única concessão.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Uma certeza mínima que se confirme

"Tudo que era o meu destino
Na verdade nunca me aconteceu
Pode ter acontecido
Pra alguma pessoa
Mas não era eu
Vivo assim na vida sem previsão
Todo mundo tem destino, eu não
Nunca os fatos são de fato fatais
Não confio na fortuna jamais
Puro por acaso e nada mais

Tudo que já estava escrito
No meu caso nunca se concretizou
Só talvez o aniversário
Que é na mesma data
E não se alterou
Era pra eu já ter encontrado um amor
Era pra eu já ter esquecido o anterior
Era pra eu já ter aprendido a sonhar
Era pra eu correr o mundo e voltar
Mas viagem sem destino, não dá

Quero minha sina
Quero minha sorte
Quero meu destino
Quero ter um norte
Quero ouvir uma vidente
Que me conte tudo
Só esconda a morte
Quero uma certeza mínima
Que se confirme
Que não seja trote
Por não ter o meu destino
Vivo em desatino
Como D. Quixote

Quem não tem o seu destino
Chega a noite
Pensa que tudo acabou
Se levanta muito cedo
Nunca sabe bem
Por que que levantou
Nada tem urgência para cumprir
Pode virar do outro lado e dormir
Pode ficar nessa até o entardecer
Todos os amigos vão entender
Levantar sem ter destino
Pra quê?

Ser assim tão sem destino
Me preocupa muito
Me deixa infeliz
Sempre quis o meu destino
Foi o meu destino
Que nunca me quis
Mesmo algum sucesso que ele previu
Era pra me revelar, desistiu
Acho que ele foi atrás de outro alguém
Pois destino tem destino também
E só revela aquilo que lhe convém"

Luiz Tatit


Nem bem janeiro ainda e já o filme do ano. Eduardo Coutinho fez um documentário tocante, envolvente, delicado, de uma força sentimental que só a música pode trazer. Imperdível.
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Sei que tenho escrito pouco, alguns já reclamaram. É que, de repente, o amor veio e ocupou todos os espaços disponíveis. "O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome".
Além disso, muitas idas a São Paulo, trabalho também é o que não tem faltado. De sorte que sou pago para fazer o que gosto, então tudo flui melhor.
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Ontem na cantareira vim ouvindo essa canção do Luiz Tatit , que uma velha amiga me disse que era minha cara. Pois bem, esclareço que a letra continua linda, mas já é passado. Pra mim, só falta a certeza mínima. Que se confirme o mais breve.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Janeiro

"O amor
É um falso brilhante
No dedo da debutante.
O amor
É um disparate.
Na mala do mascate
Macacos tocam tambor.
O amor
É um mascarado:
A patada da fera
Na cara do domador.
O amor
Sempre foi o causador
Da queda da trapezista
Pelo motociclista
Do globo da morte.
O amor é de morte.
Faz a odalisca atear fogo às vestes
E o dominó beber água-raz.
O amor é demais.
Me fez pintar os cabelos,
Me fez dobrar os joelhos,
Me faz tirar coelhos
Da cartola surrada da esperança.
O amor é uma criança.
E o mesmo diante da hora fatal
O amor
Me dará forças
Pro grito de carnaval,
Pro canto do cisne,
Pra gargalhada final "

Aldir Blanc

Janeiro é mês de pagar contas. Mal começa, já vão aparecendo os Is: IPTU, IPVA, etc. É quando as sobras de dezembro se pulverizam em impostos que jamais sabemos para onde vão. Tente não pagá-los.

Janeiro tem sido nos últimos anos, um mês de chuvas. Hoje chove a cântaros no Centro do Rio. Pra quem se acostumou a ir a pé da Praça XV até a Rio Branco (com Vargas), quando chove é um desastre. A chuva romântica, vista da janela debaixo da coberta, desconhece a Primeiro de Março.

Janeiro é mês de finalmente começar aquela dieta. Hoje foi só um cafezinho (com açúcar e algum remorso) com pão de manhã e hortaliças em abundância no almoço. Sandra Carreirinha ficou impressionada.

Janeiro é mês de fazer planos para não deixar o violão mofar. Cordas novas, um contato com um professor da cidade, e a esperança renovada de tocar um fado corrido para meu amor.

Em menino, janeiro eram férias. Hora de desgarrar de todos os compromissos e responsabilidades e assistir à última temporada do Nacional Kid e ficar jogando bolinha de gude no jardim.

Moleque, janeiro também era mês de férias. Hora de namorar com mais tempo. De ir ao cinema de mãos dadas. Naquela época, cinema de mãos dadas era sinal de compromisso. Havia um certo erotismo no cinema de mãos dadas, indescritível nos dias de hoje. Hoje se vai ao cinema para ver o filme.

Mais a frente, janeiro foi pra mim, um mês de ficar na roça. Eu ia com alguns bons amigos pra fazenda do pai, munido de um violão e um litro de Cachaça Rosa de Prata e foi ali que apurei meu gosto pra letra e música. De noite, o Geraldo Paturi preparava um estupendo macarrão com coloral.

Mais a frente, janeiro foi mês de ir à praia. Começamos pelo Espírito Santo, depois fomos subindo. Eram tempos em que se chegava a Trancoso por uma estradinha de chão muito ordinária e Alexandre deixava sempre o carro no último ponteiro de vazio e ficávamos com medo de voltar a pé. Mas ele nunca se dava por vencido : dá pra ir sim!!

Hoje meus janeiros são mais previsíveis. Procure no desconversa por outros janeiros e vai achar o mesmo texto. Na verdade, há um detalhe mais íntimo que pode tornar o janeiro diferente de todos os últimos. E pode trazer o cheiro de muitos janeiros de volta.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O ano novo que faltou você

Primeiro vieram os pais. Depois chegaram os filhos. Aí vieram os amigos. Ano novo cheio de pais, filhos, amigos, cerveja original bem gelada e alguma música.
Cheguei cedo, era o DJ da festa, tinha que acertar o som. Como sempre acontece na minha longa carreira de DJ (que começou na Cabana, uma boate miracemense dos anos 80), acerto na primeira metade da festa. Depois, já meio bêbado, fico procurando canções que quero ouvir agora, e aí repito, tropeço, não deixo acabar a música, perco o controle do som, um desastre. A modernidade não contribuiu muito pra a minha carreira. O Ipod já tem mais de 20.000 canções e o incômodo de procurar é quase igual à velha discoteca.
Mas ontem parece que deu mais certo e até consegui dançar um xote com Laura e depois Luisa. No final, já 2012, apareceu o Lilito e iniciamos o ano com uma jam inspirada. Eu queria cantar O Bonde, do Sidney Miller pras meninas e foi como abrimos o duo. Depois vieram o Samba do Irajá, Tudo se transformou, Chega de saudade, e aí o duo foi virando trio, quarteto, uníssono.
Cheguei em casa às duas, e postei a primeira foto do ano no face. Feliz ano novo.
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Durante todo o tempo, faltou você. Seu cheiro, seu gosto, seu abraço, coisas que telefone nenhum consegue trazer. Espero que no próximo, minha outra metade esteja comigo.
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O desconversa completa quatro anos hoje. Minha vida escrita em quatro anos. Começou com um texto para o Festival de Jazz de Ouro Preto de 2007, nunca publicado.
A grande vantagem do blog é que você pode escrever o que quer no tempo que for. Por princípio, sempre escrevi pra mim, mas agora tem uns três ou quatro que acompanham meu trajeto distorcido. A eles, dedico esses quatro anos de desconversa chata.

Travado

"Diferente o samba fica Sem ter a triste cuíca que gemia como um boi A Zizica está sorrindo Esconderam o Laurindo Mas não se sabe onde ...