quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Aonde você for





Já vai longe o tempo que gostava de relógios. Eu era menino e o Seu Waldemar Cavalcanti tinha um bar em frente à casa dos meus pais em Miracema, onde eu comprava chicletes ploc. Seu Waldemar tinha um Patek Phillippe de bolso, de ouro. Eu via aquilo e sonhava em ter um.

Durou pouco tempo esse gosto. Logo depois desisti dos relógios. Incomodavam , coçavam, eram um corpo estranho ali no punho.
De uns tempos para cá voltei a usar, devido à tecnologia com o smartphone e à possibilidade de acompanhar meus batimentos, que me foi muito útil. Acabei acostumando.


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Há alguns anos, meu pai deu-me seu relógio. Era um mido, esse aí da foto, que veio acompanhado de duas longas páginas contando a história do relógio, companheiro dele em longas viagens de caminhão, em outras vezes cuidando da fazenda, essa máquina inumana de trabalho e suor que meu pai foi.
Não me lembro se ficou aborrecido que eu não usei e levou o relógio de volta, ou se estupidamente, eu mesmo o devolvi, alegando não usar relógio.É bem possível que eu tenha cometido essa estupidez.Vou amargar esse sentimento para sempre.
Depois que ele morreu, o relógio sumiu.
Só fui tê-lo novamente pelas mãos de meu irmão, o que também já morreu. Ele achou o relógio no guarda-roupa do meu pai e me deu de volta.
Estava sem funcionar até semana passada, quando foi reformado e adaptado a uma nova pulseira.
Meu pai adorava viajar, mas viajou muito pouco. Já eu, inclusive pelos desatinos da ponte aérea semanal, evito como posso os aviões.
Já disse ao amor: se for para Buenos Aires, Portugal e Orlando, conte comigo. O resto vai ficar pra história.
E agora terei um companheiro constante: o velho relógio de meu pai. Vai conhecer o Mundo. Pelo menos o Mundo que eu for.

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